João Bosco
Soares da Mota Amaral, Presidente do Governo Regional dos Açores. Tudo estava
no começo. Era a RTP nos Açores e Mota Amaral no Governo. E até eu, que me
tinha transferido de armas e bagagens para a Delegação da RTP em S. Miguel,
Ponta Delgada.
Mais ou
menos seis meses depois de ter chegado aos Açores conheci aquele que viria a
ser o meu marido e pai do meu filho, o António. A empresa abriu concurso para
admissão de técnicos nos seus quadros e ele que tinha recém chegado à sua terra
natal e andava à procura de emprego, depois de ter passado uns anos em Angola
no cumprimento do serviço militar obrigatório, vinha agora concorrer, tendo
sido admitido como operador de câmara, o que o fazia andar por todo o lado, na
cobertura de tudo o que era notícia, acompanhando os jornalistas em todos os
trabalhos televisivos.
Mota Amaral,
como Presidente do Governo Regional, andava sempre em viagem e a televisão
atrás dele, claro está. Era um indivíduo discreto, reservado, com muita ética
profissional e muito seguro de si, o que lhe conferia um certo à vontade e que
lhe ficava muito bem, porque sabia estar, como se comportar e penso que
agradava a toda a gente, pelo menos como pessoa. Com os jornalistas e
operadores da RTP tinha até uma certa familiaridade, pelo muito que conviviam.
Era uma constante, como facilmente de compreende. E sempre que havia que ir ao
encontro dele e de quem o acompanhava para o efeito, o pessoal identificáva-o
por "Joãozinho", sem que nisto houvesse o menor desrespeito pela sua
pessoa. Conforme já disse, toda a gente gostava dele.
Nesta altura
eu e o António já namorávamos e ele ficava uns dias em casa da mãe e outros em
minha casa. Andava de cá para lá e de lá para cá, porque era quase ao virar da
esquina e assim não se desligava por completo da casa materna, sendo que era
bom ficarmos os dois sempre que nos apetecia. Com isto, começou a haver muita
coisa espalhada lá por casa, isto é, pela minha casa. Ele foi sempre muito
desarrumado, muito desligado de tudo. As coisas ficavam onde calhava e mais
nada. Talvez porque tinha a mãe que cuidava de tudo e fazia tudo por ele e pelo
irmão e, portanto, nunca foi educado para ser organizado. Veio para minha casa
e foi a bagunça completa. Sendo que sou o oposto, as coisas nunca foram fáceis.
Aproveitando isso, uma vez mais se desligava da tarefa de arrumar, achando que
era a mim que competia fazer o que a mãe fazia. E ainda assim, as coisas
continuavam desarrumadas, porque não é possível andar atrás de ninguém a guardar
e a arrumar isto e aquilo, uma coisa a seguir à outra, não é de todo possível,
nem física nem psicologicamente, é uma canseira terrível e uma enorme
frustração.
E uma vez
mais era dia de ir esperar Mota Amaral que vinha de Lisboa. O dia decorreu
normalmente e ao final da tarde, como acontecia muitas vezes naquela altura, o
pessoal reunia-se num café para conversar, descontrair, contar umas piadas e
dar umas boas risadas. Encontravam-se uns amigos, comiam-se umas cracas, etc...
e a piada daquele dia era a respeito da reportagem de Mota Amaral.
Da mesma
maneira que na RTP tratávamos João Bosco da Mota Amaral, carinhosamente, por
"Joãozinho", também ele quando queria brincar, usava os diminuitivos
com o pessoal. E naquele dia, uma vez mais, lá foi um jornalista com um
operador de câmara. Mota Amaral tinha acabado de chegar ao aeroporto, vindo de
Lisboa com o seu pessoal e caminhava por ali fora em direcção à saída, onde o
aguardava o motorista. Seguindo-o, o jornalista ia-lhe fazendo perguntas, ao
mesmo tempo que o fazia parar aqui, parar mais ali, enquanto o câmara o seguia
filmando-o e toda a sua atenção se concentrava na filmagem. As máquinas ainda
não eram como agora. Eram mais pesadas, mais antigas, mais difíceis de manejar.
Mota Amaral
vinha sempre de frente para ele e ele andando da frente para trás para o
apanhar sempre de frente. Sempre recuando, recuando, Mota Amaral ia falando com
o jornalista. Contudo, não lhe passou despercebido o insólito, isto é, o
"pormenor" que não era pequeno e quase inconscientemente não parava
de olhar para os pés do operador. António também começou a achar estranho o
olhar insistente do Presidente do Governo Regional para o que parecia serem os
seus pés, mas longe de imaginar o motivo. Quando a reportagem terminou e os
microfones se desligaram e a câmara parou de funcionar, bem mais descontraído, "Joãozinho"
Mota Amaral não se conteve e em pleno aeroporto de Ponta Delgada, no meio de
todo o pessoal que o acompanhava e de mais uns quantos mirones que sempre
gostam de seguir o Presidente e estar de volta a dar fé de tudo, debaixo das
luzes da ribalta, "Joãozinho" olha uma vez mais para os pés do
operador de câmara que estava na sua frente e rindo diz "eh, Antoninho,
que aconteceu?" e dizia isto rindo, rindo, ainda que discretamente, mas
rindo com gosto.
"Antoninho"
olha finalmente e curioso para os seus próprios pés e percebe a piada.
Despistado como era, tinha os sapatos desirmanados, ou seja, um par de cada
nação, o que muito divertiu "Joãozinho", pelas boas risadas que
deu com gosto.