Eram
quatro horas da tarde e levantei-me para ir à casa de banho. Quando cheguei ao
corredor de acesso comecei a ouvir vozes que logo identifiquei: a Cristina e a
Maria João. E apesar de não estar consciente do teor da conversa, mesmo sem
querer, apanhei a questão.
Não
raras vezes, as coisas que se passam ao nosso redor nos escapam, sobretudo se
forem coisas que não nos dizem nada ou que não sejam connosco. Contudo, ao mais
pequeno pormenor que capte a nossa atenção, percebemos que afinal o nosso
subconsciente absorveu tudo, ainda que sem consciência disso. É uma espécie de
armazém que guarda em stock e que vai buscar apenas se for necessário. E foi
isso mesmo que aconteceu. Eu ouvia apenas vozes mas não me tinha apercebido de
que estava a fazer parte do seu contexto.
E de
repente lembrei-me de uma cena idêntica. A situação era exactamente a mesma,
mas com outros actores em cena. Eu vou no corredor para ir à casa de banho e
ainda cá fora começo a ouvir duas colegas. Uma falava de uma personagem
feminina muito em voga na altura, uma socialite cujo nome não vem ao
caso e que naquele momento também não foi pronunciado pela pessoa que
dela falava, que tinha aparecido na televisão, etc, etc, etc… mas a
outra a quem ela se dirigia não identificava. Não querendo dizer o nome, a Ana
dizia no preciso momento em que entrei na casa de banho, “aquela
parva”… e ao dizer estas palavras, imediatamente passou na minha
mente a imagem da pessoa em causa. Mas perante a descrição de “aquela parva”, a
outra não identificava de maneira nenhuma e a Ana continuou “sim… a que anda
com o outro”… e uma vez mais passou na minha mente a imagem do tal “outro”, com
toda a nitidez. “Oh, sei lá quem é a que anda com o outro!”… resmungava a
colega. Neste momento, acabada de entrar no mesmo espaço físico, esclareci
imediatamente o assunto, dizendo o nome da “parva”, bem como o do “outro” em
questão. A Ana que já estava impertinente, talvez pela falta de perspicácia da
colega, respondeu logo “pois claro, vê lá se ela – referindo-se à minha pessoa
– não percebeu logo”? Era preciso dizer os nomes?!
Pensando
bem, talvez não fosse assim tão evidente, pois há sempre personalidades em
badalação a dar que falar, pelo que podiam sem outros personagens. O facto é
que pelo jeito dela falar, imputando-lhe uma conotação de um certo desprezo, a
imagem passou imediatamente na minha frente. Podiam ser milhentas, é verdade.
Mas aquela era a pessoa de quem se falava na actualidade. Ainda assim, podia
ser outra. O facto é que eu apanhei. E mesmo quando a Ana disse “que anda com o
outro”, também podiam ser imensas. Mas a Ana referia-se a uma determinada
pessoa e foi essa que eu visualizei. E é claro que não foi por acaso. A minha
capacidade telepática estava cem por cento receptiva, coisa muito normal em
mim.
Neste
momento a cena era a mesma ou muito idêntica, só que o assunto era trabalho e o
outro não. A Cristina precisava de resolver um problema e a Maria João
dizia-lhe que tinha que ir falar com uma colega da televisão, porque elas eram
da rádio, e estava a explicar-lhe quem era. Mas a Cristina não chegava lá. E
por mais precisas que fossem as indicações ela não conseguia saber, respondendo
sempre o mesmo, que não sabia quem era. A Maria João insistia em “uma que
costuma ir almoçar com…, que faz…, que vai…, que e que… mas a Cristina não via
nada. As duas já estavam cansadas, uma por explicar, a outra por não conseguir
perceber. E então eu entro e sem dizer uma única palavra, faço uma exibição,
imitando a outra que ela dizia que não sabia quem era. Levo as mãos um pouco à
frente do peito, uma ao lado da outra, com os dedos um pouco expostos. Coloco
um pé à frente do outro, a cabeça empinada e o nariz no ar, enquanto me vou
virando à direita e à esquerda… e… fez-se luz. A Cristina deu um grito “Ah, já
sei!”… e disse já sei, de um modo que queria dizer que estava farta de saber
quem era. Claro!...
A
Maria João passou-se de todo e reclamava “olha para esta… estou eu aqui há
horas a dar todas as explicações detalhadas e nada. Chega esta, dá dois passos
e já sabe!”... A Cristina ria, ria e dizia “pois, com os gestos que ela
fez”!...
Sem
dúvida, o gesto é tudo.