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domingo, 23 de dezembro de 2018

A "sagrada" bíblia - 46


Que me lembre e desde que me reconheço e me entendo por gente, que me questiono e me interrogo sobre questões existenciais como: quem sou eu, o que é a vida, o que estamos todos aqui a fazer, etc… um rol de perguntas que me vinham à cabeça, e ainda mais o porquê de estar sempre a pensar nessas coisas. As outras pessoas não pensavam nessas coisas, achava eu. Viviam a sua vida, o que quer que ela fosse, levantavam-se e deitavam-se, seguiam a sua rotina e o seu rumo, sem essas preocupações, pensava eu… enquanto que eu estava sempre numa luta comigo mesma por causa dessas respostas que, ao mesmo tempo, não tinha onde ir buscá-las. Se tentava perguntar, logo me conseguiam fazer mudar de assunto, dizendo-me que quando crescesse haveria de saber. Mas isso era muito tempo!

O facto é que toda a gente parecia conviver bem sem falar e sem querer saber disso, o que para mim era um verdadeiro enigma. Como era possível não se olharem no espelho sem conseguirem ir ao seu interior? Quando me via no espelho, para além do que estava à vista, sentia sempre que havia mais do que isso. Eu não era só o aquilo. E achava que os outros também não. Para mim, em cada criatura, havia o exterior e o interior, que não era assim tão interior. E então, esse interior que me parecia envolvido de mistério e segredos, onde estava ele, o que era isso?

A minha família era católica por tradição e, portanto, a igreja foi-me imposta desde sempre. Não pelos meus pais, que não faziam questão de ser religiosos, mas pela restante família, avó e tios. Além disso, a escola também fornecia educação católica e tudo era muito católico na minha vida. Como gostava de saber das coisas e como era suposto a bíblia conter toda a verdade da vida, eu lia.

A caquetese era a única base de informação a que tinha acesso. Havia caquetese na igreja e catequese na escola. E todas as crianças aprendiam o que vinha nos catecismos e só isso. E ouviam e decoravam aquelas coisas todas que tinha que se saber na ponta da língua, desde a mais tenra idade, porque seriam guardadas para nos acompanharem pela vida fora até sempre. Quem é Deus? Deus é o nosso pai do céu. Onde está Deus? Deus está em toda a parte.  E assim por aí adiante.

Questionar? Impossível. Questionar, só por si, já era um grande pecado. Tudo era muito sagrado, inalterável e imutável. E todas as histórias que nos contavam e que se liam na Bíblia, eram um grande mistério. Pai do céu?!... Em toda a parte?!... Mas se diziam que era assim, assim tinha que ser. E a minha “formatação” começou a trancar-me, como aconteceu com tanta gente. Não há perguntas, não há questões. Há que acreditar e aceitar, caso contrário, caíamos em pecado e íamos para o inferno. Um horror! Eu tinha pesadelos. E não era só eu. Havia outras crianças a quem acontecia o mesmo. Pelo menos isso ajudava-me a identificar-me um pouco com alguém e a não me sentir tão infeliz e tão só.

Fui crescendo e, apesar de tudo, a informação foi chegando de variadíssimas maneiras. Os meus olhos iam-se abrindo e o meu espírito sempre pedindo mais. Todavia, sempre que lia a Bíblia, apesar das contradições e das questões confusas, eu ainda estava “formatada” e havia muita coisa que ainda não tinha chegado, por causa do “véu” que me cobria desde criança. É difícil. É mesmo muito difícil. E quando pensamos que já crescemos espiritualmente e já nos livrámos de toda a carga do passado, é mentira. A coisa ainda está lá bem enraizada, e assim somos apanhados de surpresa. O que fazer?

 

Meu filho Henrique, quando era criança, recebeu de presente da avó paterna um livro de histórias intitulado “A Bíblia para crianças”. O livro tinha desenhos bonitos, alusivos às diversas passagens bíblicas mais relevantes e adaptados às crianças. E como ele gostava que lhe lesse uma história já na cama, antes de dormir, achei que não havia mal nenhum nisso, e comecei a ler-lhe a bíblia. E devo dizer que foi esse o meu grande “despertar”. Foram essas leituras inocentes, a uma criança sem vínculos à religião, virgem na sua formação de ser humano, livre de dogmas e formatações, que me fizeram abrir os olhos e despir a totalidade do véu que tudo embaciava. Foi o meu filho de cinco aninhos quem me ensinou a ler a Bíblia. Lembro-me como se fosse hoje. Até levantou a cabeça do travesseiro com a indignação da contradição que se deparava.

A história era a de Abel e Caim. Caim, filho de Adão e Eva, supostamente o primeiro homem e a primeira mulher, como todos sabem, mata seu irmão Abel. Perante isto, e como castigo, Deus expulsa-o do Paraíso e fica com medo de que alguém o mate. Esta é a história, sem entrar em mais detalhes, porque não necessita. E o meu querido filho, incomodado, pergunta “mas se não existe mais ninguém além de Adão e Eva, quem é que o vai matar? Perante esta observação fiquei a gaguejar e na verdade sem resposta. Mas foi aí que se deu o verdadeiro clique.

Perguntando a mim mesma se alguma vez eu tinha pensado nisso, para ser sincera, claro que sim. A questão é que, muito provavelmente fechava os olhos, porque ainda estava programada para aceitar tudo o que lia, sem sinal da mais pequena dúvida ou observação, apesar de já estar numa fase de “desmame”, isto é, de grande afastamento da religião. Mas foi aí que fui obrigada a pensar e repensar que a criança tinha razão e que eu sempre soube que aquilo era uma grande mentira ou simplesmente uma história mal contada.

Recentemente, adquiri um livro muito interessante, intitulado “A Bíblia não é um Livro Sagrado” de um autor Italiano, Mauro Biglino, e como foi bom ler esse livro! É que, finalmente, alguém via as coisas da mesma perspectiva que eu. Alguém com bases e formação correcta, falava do que sempre se escondeu por trás dos panos. Alguém que teve a coragem e a lucidez de mostrar o que é e o que não é. E assim, a páginas tantas, mais precisamente na página 146 do referido livro, pode ler-se:

“Após ter assassinado Abel (Gn. 4), Caim não foi punido, mas simplesmente afastado e naquele momento exclama apavorado: “Seja quem for que me encontre, matar-me-á”. Mas quem poderia ser este “seja quem for”, já que sobre a Terra deveriam existir somente os seus pais, Adão e Eva?”

E mais… continuando, o autor descreve:

“A narração bíblica prossegue, informando-nos de que ele encontrou uma esposa, teve um filho e construiu uma cidade… Mas, para quem construiu ele uma cidade, se não existiam outros homens?”

Quando li isto, logo me veio à memória esse episódio do meu filho, criança, chamando-me a atenção para o facto. Parecia que tinha sacado do meu livro de memórias aquela situação embaraçosa da falta de poder para responder. Passaram mais de trinta anos, mas aquela memória foi de imediato accionado, tão embaraçosa fora a situação.

E assim, por aí adiante, o autor vai descortinando tudo e pondo a nu uma verdade que se esconde por uma eternidade sem fim. Tal como ele, na verdade não penso que a bíblia seja uma mentira. Acho é que foi interpretada da maneira que deu jeito e por quem assim o quis. Umas vezes por falta de informação nas questões da tradução, outras vezes porque era o que dava jeito. A ignorância da humanidade sempre foi muito bem aproveitada. É sempre importante, pois assim é bastante mais fácil conduzi-la. O “sagrado” é coisa que não existe nesse contexto. A elaboração do “homo sapiens” é um projecto pensado e elaborado por seres alienígenas com tecnologias impensáveis para nós. As igrejas e demais locais de culto não foram construídos para essa função, mas adaptados a isso, simplesmente porque eram a “morada dos deuses”. E a morada dos deuses era tudo que havia de mais profano sobre a terra.

Durante grande parte da minha existência procurei, procurei, procurei… até que um dia encontrei esta preciosa coisa que me fez para de procurar, porque aí estava contida uma verdade intemporal, que me fez parar as buscas incessantes e sossegar:

“A vida é evolutiva e nunca criada a partir do nada. Todos estamos ligados.”  - Pasteur pensou, Pasteur escreveu. 

E quando li isto, percebi que tinha encontrado a resposta. É que, na verdade, não havia nada para procurar, mas apenas “assistir” à evolução, à passagem do tempo. Somos viajantes do espaço, por mais que isto seja difícil de encaixar. Todas as igrejas e demais lugares “santos”, carregados de ouro e outros metais preciosos roubados à mãe terra, não passam de uma pequena amostra do orgulho, da vaidade e da soberba dos “deuses” que por aqui passaram e alguns por aqui ficaram, misturando-se com a obra que criaram à sua imagem e semelhança, para seu próprio benefício – o homem, o Adam ou ADN. Israel e a Palestina é uma guerra sem fim que não faz o menor sentido, simplesmente porque é uma guerra que não é nossa, mas dos “deuses” que a começaram e nunca mais acabou.

Somos o resto, os restos de uma mega civilização que se adiantou e se aproveitou do nosso ADN de todas as maneiras e feitos. Tudo o que somos de bom e mau está aí. Está na hora de acordar e crescer.

Com todos os dramas, complicações, aflições de todo o género, catástrofes e epidemias, temporais e outras coisas mais, até hoje não sei se a vida faz sentido ou não. Mas é bom viver.


O segredo - 45



Como era lindo!… pensava ela. A imagem dele estava gravada desde o dia em que o vira pela primeira vez. Nessa altura, pensou… se tivesse menos dez anos, não precisava de mais, menos dez anos eram o bastante e ele não escaparia porque, se havia um adjectivo que a caracterizava bem demais era “aventureira”. 

 

Mas a aventura não era por “casos” ou “flirts”… não era nada disso. Aventura era ela personificada, porque nunca deixara de viver nada por conta dos outros e dos preconceitos ultrapassados e enfadonhos em que a maioria das pessoas se deixava envolver, inibindo-se de viver, em nome de falsos moralismos.

 

Realmente, isso não se lhe aplicava. Desde os dezassete anos que tomara as rédeas da sua vida e isso sim, fizera dela uma aventureira nata. A vida tinha o gosto da aventura, sim, porque tudo o que fazia e tudo em que se metia, era para ser vivido a cem por cento, caso contrário, não estaria lá. Amava a vida com todo o respeito e a alegria que lhe conferia e lhe atribuía, pela sua simples existência neste mundo, onde nada se podia perder, a não ser aquilo que realmente não era preciso e isso sim, era para definitivamente descartar para todo o sempre. 

 

Há três anos que ali estava com a família. Não a mulher e os filhos, porque esses tinham ficado no seu país. Ele viera para ficar, arranjar papéis e então trazer a família já em segurança. Mas vivia com os irmãos. E a vida era trabalhar para ganhar dinheiro e enviar para a família, a fim de lhes proporcionar uma vida melhor, até os poder trazer e fugir à guerra, à vida miserável que tinham, apesar dos cursos que tinham tirado. Num país em guerra, de nada serve ser isto ou ser aquilo. Num país em guerra, tudo é inútil, todo o esforço é em vão e nunca se poderão fazer planos. É duro, mas é a realidade.

 

De vez em quando, cruzavam-se nas escadas, nos elevadores e da mesma maneira que ele sabia que não lhe era indiferente, também ela sabia que alguma atracção exercia sobre ele, mas as reticências eram tantas que não havia ponta por onde se pegar. Era a diferença de idades, eram os irmãos, eram as culturas - a barreira das culturas(!) - embora, até certo ponto, ela soubesse lidar com isso. Mas não, não podia ser, era muito complicado.

 

Todavia, sempre que se cruzavam, ele encarava-a com uma curiosidade impossível de esconder e impossível de não perceber. Parecia que alguma coisa ficava sempre por dizer, algo que precisava de sair, mas que acabava sempre por ficar engasgado, por conta da inibição que também sempre se sobrepunha. Lá teria as suas razões, também ele. Era melhor… era melhor que tudo ficasse assim, por ali mesmo, tudo no seu lugar.

 

Até que um dia, ao sair do elevador, abrindo a porta e antes de ter tempo de sair, alguém abre a porta mais rápido e quase esbarram um no outro. E nesse dia não houve tempo para pensar, nem ficar inibido e a pergunta saiu. Eram onze horas da noite e apesar do programa ter sido bom, ela vinha cansada, querendo chegar a casa e dormir. Ao esbarrar nele, inesperadamente os olhares de ambos se fixaram inevitavelmente, de um jeito quase hipnótico. Atordoada, veio à realidade com a pergunta inquisidora e que foi mais forte do que ele “onde vai?”. Claro que o que ele queria saber era de onde ela vinha, porque vinha a chegar sozinha àquela hora. Mas o seu fraco português fez o que pôde.

 

Apanhada de surpresa, atrapalhada, apressou-se a responder “classic music concert”, como se sentindo coagida a dar-lhe satisfações. Como se, de repente, sem mais nem menos, ele fosse seu dono… e com mil e uma questões na cabeça, ao mesmo tempo que surpreendida com o que se estava a passar com ela - porque, enquanto a sua voz interior perguntava a si mesma o que a tinha levado a dar-lhe justificações da sua vida -, a ponto de se ter deixado levar. E para tudo isto não havia resposta.

 

E antes mesmo que terminasse a frase “classic music con…” já ele respondia “ah...” ao mesmo tempo que acenava que sim com a cabeça, em sinal de aprovação. E não havendo mais nada para dizer, ela saiu de vez do elevador para lhe dar passagem, enquanto os seus olhares se refugiavam um no outro, até a porta se fechar novamente e cortar de vez aquele momento embaraçador, mas mágico.

 

Já em casa, enquanto se despia para se deitar, pensava em mil e uma razões para aquela pergunta intempestiva. E uma delas, é que era absolutamente impensável na terra dele, uma mulher sair assim, sozinha e ainda chegar a casa àquela hora da noite. E muitas outras coisas… mas a verdade é que não era nada daquilo. Sabia bem qual era a verdadeira razão daquela pergunta. Ele queria lá saber das horas e do resto. Ele queria mesmo era ter a posse de todas as suas horas, não só daquela, mas de todos os dias e saber como era a vida dela, que para ele era um grande mistério, apenas porque a desejava, independentemente da idade, de não ser a mulher mais bela do mundo, disto e daquilo… a verdade é que sentia por ela uma atracção irresistível, que ele próprio não compreendia e nem se daria a esse trabalho.

 

Aquela mulher, que entrava e saía a qualquer hora, com o ar mais indiferente deste mundo, que sempre estava sozinha ou com amigas, sem uma companhia masculina; aquela mulher que tinha um ar ainda jovem e vestia como uma adolescente: jeans, leggings, vestidos compridos, frescos e fluidos, mostrando o corpo magro e bem delineado, aquela mulher era uma fonte de atracção e de mistério; um grande enigma para ele, com trinta e oito anos apenas. Se ele, a viver com os irmãos, se sentia tão só, com a esposa longe, sem amor por perto, impedido de uma vida sexual normal, por via das circunstâncias; para quem a vida era apenas trabalho, comer e dormir - tudo isto em nome da promessa de uma vida melhor, que tardava em chegar - e aquela mulher sozinha, como ultrapassaria ela a sua solidão? Como poderia ela estar sempre sozinha?…

 

Já tinha entrado na sua casa com um dos irmãos, por conta de uma pequena questão técnica, para a qual necessitara de intervenção exterior. Por isso os chamou e ficara deliciado com a casa. Aquilo era um verdadeiro refúgio de amor. Ali, havia qualquer coisa no ar que era indecifrável. Ali, estava-se bem. Também não sabia muito bem se era da casa, se apenas da presença dela. Mas tudo ali se conjugava. Tudo era perfeito. O meio ocidental, meio oriental, tudo funcionava maravilhosamente bem, fazendo-o lembrar do que precisava de conquistar, jamais esquecendo as suas origens. Até nisso ela era fabulosa.

 

Os olhos dele brilhavam, com aquele brilho que só eles têm. Aquilo era um mundo mágico que o seduzia e o deixava completamente perdido. Tudo ali era simples, sem luxo, mas prático, confortável e funcional. Mas muito mais do que isso: acolhedor, convidativo. Mas era também muita paz e muito amor que sentia ali. A pessoa que vivia ali só podia ser uma pessoa muito especial. Aquilo era tudo o que ele precisava. Aquela misteriosa mulher não tinha idade. Podia ter uma idade qualquer, que a ele em nada lhe importava. O que importava era o que ela era e o que ela representava. E ela era sem dúvida, a única pessoa que o podia ajudar.

 

Ali tão perto, era só atravessar o patamar. Meia dúzia de metros, apenas, a separar as portas de casa. Mas depois havia as outras quatro. E ainda os outros andares. E estavam sempre a entrar e a sair. Mas o pior de tudo eram os irmãos. O que fariam se soubessem? Seria uma chacina. Ainda por cima ele era o mais velho, aquele que tinha que dar o exemplo! E tudo apenas por um pouco de paz, um pouco de amor. Sexo, sim, mas mais do que isso, beijar, acariciar, sentir a ternura do contacto da pele com pele. Entrar em casa e arrancá-la ao que estivesse a fazer; pegar nela ao colo e deitá-la em cima da cama, naquele quarto sensacional, com uma tapeçaria oriental na cabeceira, em tons de azul e verde; aquele quarto de uma simplicidade incrível, era um convite ao erotismo, aos sentidos mais sublimes, submetidos ao prazer do amor e da sensualidade. Aquela mulher era o caminho para a sua liberdade.

 

Enquanto ele observava tudo minuciosamente, ela seguia-o atenta e curiosa no pormenor com que reparava em tudo. Sentia-se lisonjeada mas, ao mesmo tempo, um pouco devassada. Contudo, não lhe podia recusar esse privilégio. E aos poucos, foi-se libertando e até aguçando a sua curiosidade, que não deixava de a fascinar. Afinal, ele era o tal, especial. Ele era lindo! Isso era inegável. Até as amigas vizinhas, já o tinham comentado. Mas elas eram novas, era perfeitamente natural. Em todo o caso, o facto é que ele era mesmo bonito. E não era só a beleza física. Era a altura, o porte, o ar com um misto de timidez e o sorriso só no olhar. Era aquela cor morena de quem está permanentemente bronzeado do sol. Era uma coisa que só ele tinha ou que só ela via, porque não se podia explicar.

 

E quando ela fez questão de lhe mostrar a casa de banho, um espaço tão importante como os demais, ele ficou em êxtase profundo. Com o olhar, percorreu as quatro paredes e deteve-se no quadro dos banhos turcos, com as mulheres semi-nuas na água e dizia oh, oh… estava impressionado com a beleza da pintura, mas o facto de as mulheres estarem quase despidas com os seios à mostra, deixava-o mudo, engasgado, ao ponto de ela ter de intervir para lhe fazer lembrar que aquilo não eram mulheres nuas; aquilo era arte e a arte era para ser apreciada e admirada sem qualquer julgamento. Ele respondia “yes, yes…” numa voz tão sublime quanto velada, num tom de submissão e rendição absoluta. Era de uma doçura impressionante!

 

 

Como era lindo!… pensava ela. Não tinha mudado nada, desde a primeira vez que o vira. A sua doçura continuava igual. Tudo nele continuava na mesma. Doce, terno, com aquela maliciosa ingenuidade e aquele olhar misterioso de sempre, apesar de que todas as portas tinham sido definitivamente abertas. Sem regras, sem limites, sem objecções; sem compromissos, apenas o compromisso da felicidade através do amor que proporcionavam um ao outro, tudo no maior sigilo, para não ser corrompido nem interrompido contra a vontade de ambos. Tudo o que havia para partilhar era aquele amor indefinido, intemporal, sem reclamações, sem exigência alguma. Só a liberdade prevalecia. Só a liberdade era permitida e permanecia. Para isso se tinham quebrado definitivamente as algemas, banido todos os credos e tudo o mais. Ali não havia lugar para a voz dos outros. Já era tão pouco o tempo que tinham um para o outro, sem contar com a ginástica que era preciso fazer para não dar nas vistas e manter tudo no maior segredo. Era um esforço e tanto, segurar aquela adrenalina que não parava de disparar, quando se continuavam a cruzar e se metiam outros pelo meio, porque a vida continuava. 

 

Aliás, tudo continuava na mesma, exactamente igual, apenas eles tinham revertido o jogo, porque já não eram mais estranhos um para o outro. Quando uma porta se fechava, logo a outra se abria, para deixar entrar por toda a casa, pelo ar que respiravam, pelo calor que seus corpos embrenhados emanavam, todo aquele prazer que os fazia respirar com mais leveza e viver com a mesma intensidade, cada momento como se fosse simultaneamente o primeiro e o último. O único, porque também o único segredo de suas vidas.