"Eu
sou uma pessoa muito evoluída!..." - dizia a Fátima no seu melhor, isto é,
com toda a sua ignóbil desenvoltura, certa da sua pessoa e das suas
convicções, perante todo o nosso espanto.
O
Zé contava uma anedota e à volta dele estava eu, sentada à secretária, posto
que ele estava sentado numa cadeira junto à minha secretária, a que vieram
juntar-se o meu chefe, RM e o chefe dela, FP. A Fátima tinha ficado sentada no
lugar dela, do outro lado da sala, e como tinha trauma de anedotas, fez cara
feia e dali não saiu, mostrando-se aparentemente desinteressada.
Nunca
percebemos porque razão ela reagia mal às anedotas. Tinha um amigo que todas as
tardes passava por lá para a ver e tinha por hábito contar uma anedota, o que
muito me encantava, por ser uma forma de quebrar o stress de tantas horas
seguidas de trabalho e animar um pouco o espírito. Mas para ele contar, a
Fátima exigia sempre que não fosse uma anedota "ordinária", porque
ela não gostava. Então, o amigo tinha sempre que ter muito cuidado com o que ia
contar, para não ofender os ouvidos da pequena.
Naquela
tarde era o Zé, que também costumava passar por lá, embora com menos
assiduidade. Era só de vez em quando, mas a presença dele era sempre marcada
por alguma graça e alguma piada que, verdade seja dita, ele tinha de sobra. Uma
boa disposição fora do comum. Grande Zé!
“Era
uma vez um alentejano”... assim tinha começado a anedota, como começam tantas
outras e que a Fátima possivelmente não apanhou desde o início, com a mania de
não querer anedotas "ordinárias". E de cada vez que ele se referia ao
alentejano, o pressuposto protagonista da anedota, dizia: "então, o
homem"... "o homem"... "e o homem"... e à medida que a
anedota ia avançando e tomando forma, nós já íamos aumentando o riso,
antecipando um final super hilariante, porque tínhamos a certeza de que era
esse o seu fim.
A Fátima
não apanhou o início, mas de repente resolveu que não queria ficar de fora
porque, se os outros já se estavam a rir, porque não haveria de rir também? Contrafeita
ou não, lá se levantou para se juntar ao grupo. O facto é que, de cada vez
que o Zé falava "o homem...", a Fátima
interrompia, perguntando com um certo receio e uma ingenuamente
completamente desastrosa, naquela voz grossa e meio embargada, que lhe era
tão característica: "quem era o homem?", a que o Zé, da primeira vez
nem ligou, fazendo apenas uma ligeira pausa para dar continuidade; da segunda
vez que ele menciona, no decorrer da anedota "o homem...", lá vem a
Fátima novamente a insistir: " mas quem era o homem"(?),
porque era tudo o que ela queria saber da anedota.
O Zé
prolongou a pausa, mas continuou, ignorando a inusitada pergunta, porque não
fazia sentido nenhum e nós, quase que já nem precisávamos de ouvir o resto porque,
só de ouvi-la interromper para querer saber quem era o homem, já estávamos
perdidos de riso, a tentar disfarçar para não nos escangalharmos a rir antes do
tempo.
E já
mesmo na reta final da anedota quando, mais uma vez, o Zé diz: "e o
homem"..., a Fátima avança na sua total imbecilidade, com um sorriso
mais amarelo do que nunca: "mas quem era o homem?..." E estando
mesmo no fim, o Zé pára, olha para ela com os olhos muito arregalados e numa
fúria, dá-lhe um grito: "oh porra, sei lá quem era o
homem!!!..."
Nós,
perdidos de rir a bom rir, tanto, que o estômago até me doía. O meu chefe
RM perdido de gozo, olhava para mim e falava com os olhos, como só eu entendia.
Foi dois em um. A anedota acabou e nós ríamos que nem uns perdidos, sem
conseguirmos entender aquelas malogradas intervenções da Fátima que, em vez de
ouvir a anedota, só queria saber quem era o homem(?).
E
como não tivesse achado muita piada - nem podia, porque não esteve com
atenção - e percebendo que não conseguia acompanhar os outros, começou a
resmungar connosco, dizendo que tínhamos a mania que éramos espertos e que ela
era parva, etc. Não raras vezes ela se manifestava desta maneira. Mas ela
realmente não era parva. Ela era inteligente, só que vivia num
mundo à parte, num mundo só dela e depois tinha dias em que estava mais ausente
do que outros. Mas a maior parte do tempo não estava presente.
Naquele
dia a coisa foi mais longe porque ficou muito irritada. E então disse uma coisa
que eu não sei como classificar. Disse que nós achávamos que ela era estúpida e
atrasada mental o que, segundo ela, não era nada disso, porque se
considerava muito esperta e muito evoluída. Muito evoluída! Até aqui... tudo
bem. O meu - nosso - grande espanto foi quando ela proferiu esta frase que,
para mim, ficou célebre e não foi por ter vindo dela. Viesse de onde viesse,
mas foi dela que veio e é estranho:
"Eu
sou muito evoluída... eu
até já tive uma relação extraconjugal!..."
E assim, ficámos todos a saber, o que é realmente ser
evoluído!...