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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Quequto - 25


Quequto é aquele garoto irrequieto e indisciplinado, que está sempre a levar broncas por causa do seu mau feitio e outras coisas mais. Mas o que poucos sabem é que ele é também sensível e cheio de ideais que, talvez não pareça, mas em relação aos quais corre atrás. Eu sei porque duas vezes por semana tenho que levar com ele e tenho que ter tanta paciência com ele como ele comigo. 

Durante muito tempo tinha um disco que era sempre o mesmo: "vou ser como o Ronaldo! Vou ser igual a ele!" Cansei de ouvir esta ladainha vezes sem conta. Por tudo e por nada, ou seja, porque se sentia diminuído e inferiorizado, muito provavelmente, umas vezes com razão, outras nem tanto, sei lá. Oito anos apenas... nem sempre é fácil. Até porque uns têm tudo e outros não têm nada.

O facto, é que eu já não podia ouvir aquela cena do vou ser igual ao Ronaldo. Até a uma simples pergunta que lhe fazia, antes de responder directamente à questão, primeiro saía aquele disco. Logo, aquela afirmação era pertinente. Se não sou bom naquilo que os outros querem que eu seja, vou já avisando que serei um “clone” do Ronaldo.

Então, um dia, comecei a pensar na forma de alterar aquela distorção de personalidade. Porque a mim, aquilo não soava nada bem. Querer ser igual a alguém é mau, porque implica uma anulação do eu. Eu quero ser o outro. E ninguém é o outro. Cada um só é igual a si mesmo. Para isso tem que se encontrar.

E o Quequto, um menino das Áfricas, de família humilde, carenciada, etc..., não fugia à regra. E não era por ter apenas oito anos que não era relevante. Enfim, a minha cabeça começou a ponderar naquele assunto e a passar a mensagem para o sítio certo: o coração. 

Um dia, enquanto estávamos no apoio a trabalhar com as crianças, mais uma vez apanho o Quequto com o disco do costume, sempre acompanhado de uma falsa superioridade, pelo facto de querer ser igual ao outro. E não esperei mais. Pus as mãos nos ombros dele, abanando-o ligeiramente, mas com muita firmeza enfrentei-o olhos nos olhos e depois de um curto silêncio em que o trouxe inteiro a mim, fazendo-o focar toda a atenção nas palavras que ele ia ouvir, não sem algum receio e inquietação, pois acho que pensou que seria mais uma bronca, disse-lhe simplesmente: “ouve o que te vou dizer. Ouve bem, com muita atenção e nunca, mas nunca te esqueças disto - e a ansiedade dele crescia, mas aguentou-se sem me interromper -, tu não vais ser igual ao Ronaldo, ouviste? - E o olhar dele estava fixo e imóvel, sem saber se ficava de rastos ou se explodia, como era seu costume com tudo - Tu não vais ser igual ao Ronaldo, nunca. Sabes porquê? - E os olhos dele enchiam-se de brilho e ficavam ainda maiores - Porque tu vais ser muito melhor do que ele. Mas muito, muito melhor. Por isso, nunca mais te quero ouvir dizer que vais ser igual a ele. Quando fores um jogador profissional, nunca mais ninguém vai falar do Ronaldo, porque tu vais ser muito melhor do que ele”.

Baixou a guarda e continuou a olhar para mim, como se estivesse anestesiado. Jamais pensou que poderia ouvir de alguém semelhante coisa. Tenho a certeza de que por momentos ele experimentou a sensação do sonho impossível que na realidade não é impossível. O facto é que ficou curado e nunca mais, nunca mais voltou a falar do Ronaldo. Em contrapartida, começou a ganhar cada vez mais confiança em si mesmo, no que se referia ao aprendizado que era o pretendido.

Eu acredito que o Quequto um dia pode vir a ser melhor do que o Ronaldo. Quem diz ele diz outro qualquer. 

Porque não?