O Riaz estava sentado numa esplanada de um café nas imediações da
minha casa, à espera que um café lhe caísse do céu, porque estava sem dinheiro.
Eu sabia que para ele o café era primordial. Podia não comer nem beber, mas o
café para ele era absolutamente imprescindível. E enquanto falava comigo ao
telefone insistia para eu regressar o mais depressa possível porque queria um
café.
Um café. Uma enorme choradeira por causa de um café. Só que eu
estava a trabalhar e nunca tinha hora para sair por causa da minha isenção de
horário. E ele sabia disso, mas naquele dia estava muito impaciente. Tinha sido
apanhado desprevenido e esquecera-se de que não tinha dinheiro. Era eu que lhe
guardava o dinheiro e que geria a conta bancária dele. Ele tinha medo de fazer
alguma coisa errada e não confiava em mais ninguém. Mas tinha um cartão
multibanco, o qual só usava quando estava comigo porque se atrapalhava todo.
Não falava português nem se esforçava nada por isso. Era eu que resolvia todos
os seus problemas. Estava em Portugal há dois anos e, desde que nos tínhamos
conhecido, apoiava-se demais em mim, achando que todos os problemas dele
estavam resolvidos.
Era frequente telefonar-me amiúde, mas naquela tarde em que tinha
sido dispensado do trabalho, estava mais inquieto. É certo que queria um café,
mas não podia estar a ligar-me de cinco em cinco minutos. Portanto, a única
coisa a fazer era esperar. Mas estava bem difícil. Não se conformava nem me
dava descanso.
O Riaz foi meu companheiro de vida durante sete anos. Tinha
alturas em que coabitava comigo, outras alturas ficava na casa dele. De vez em
quando viajava para arranjar trabalho melhor, mas voltava sempre, assim que
alguma coisa não lhe agradava, mas especialmente porque não conseguia estar
muito tempo longe de mim.
Estranhamente, toda a minha família gostava muito dele, porque
sempre foram todos tão exigentes comigo em tudo, que era realmente estranho
terem gostado tanto dele. Mais do que isso, todos se rendiam ao seu charme e ao
seu encanto. Ele era alto, bonito, magro, com um porte fino e eu dizia-lhe
muitas vezes que ele podia ser modelo de alta costura. Tinha muito boa figura.
E a minha família que tanto me massacrou aquando do meu divórcio, pelas razões
mais idiotas e fora de contexto, extraordinariamente, aceitavam o Riaz como se
fosse a coisa mais natural desta vida, sem questões, sem reservas. Acabaram-se
todos os preconceitos, a religião, os hábitos, a cultura, enfim, ninguém ousava
questionar fosse o que fosse. E o Riaz sentia-se em casa, completamente.
Adorava aquele chamego todo e ficava envaidecido de ter todos rendidos ao seu
encanto. E como!
E a questão continuava. O Riaz não me dava descanso pelo facto de
estar sem dinheiro para o café. E tudo porque tinha medo de ir ao multibanco
levantar dinheiro. Perguntei-lhe se tinha uma caixa por perto e ele logo
respondeu que sim, mesmo em frente dele. Pedi-lhe que se dirigisse à máquina,
mas ele não queria. “Oh… não sabe”, dizia ele. Já sei que não sabes, mas eu
vou-te dizendo, respondi. Pedi-lhe para pôr o cartão na ranhura e esperar pelo
painel para me dizer o que lá estava. Mas ele começava a ler e sinceramente, eu
não compreendia nada do que ele dizia e ele explicava-se mal, depois dizia uma
data de asneiras na língua dele, algumas que eu já conhecia, outras não e
acabava por terminar a sessão porque o cartão, sem ordem para cumprir, saía
automaticamente. Duas vezes isto aconteceu e eu disse-lhe que não o fizesse
mais para que o cartão não ficasse retido, que era pior a emenda que o soneto.
Assim não dava.
Era preciso encontrar outra solução. E tinha mesmo que resolver o
problema de alguma maneira, porque sair mais cedo por causa daquilo estava
absolutamente fora de questão. Foi então que me lembrei de uma coisa. Ele só
precisava da ajuda de alguém para levantar o dinheiro e me deixar sossegada.
Mas quem? Tinha que confiar na sorte. Comecei a pensar, a pensar e estava
decidido.
Pedi ao Riaz que olhasse em volta e observasse as pessoas perto
dele. Ele não percebia o que ia na minha cabeça, claro está e dizia que estavam
algumas pessoas, mas poucas e que isso não interessava. Insisti com ele para me
começar a descrever como eram as pessoas, se estavam sozinhas ou acompanhadas,
mas ele não queria, não estava a levar a sério o que lhe dizia, achando que era
uma brincadeira minha. Mas não era brincadeira e continuei a insistir para ele
me ir descrevendo as pessoas, uma por uma. Até que ele me disse que estava um
casal.
Perguntei-lhe que idade teriam e respondeu que talvez trinta.
Perguntei-lhe se achava que estavam bem um com o outro, bem dispostos, se não
estavam a discutir ou com cara de chateados. Ele olhava, ficava um pouco a
observar e depois, não sem esforço, lá começava a dizer o que via ou que lhe
parecia. Disse que achava que estavam bem dispostos um com o outro, falando
baixinho, juntinhos, etc. É isso, é isso mesmo que eu quero, respondi eu.
E continuando com o meu plano, pedi-lhe que se levantasse e fosse
ter com eles, com toda a calma para não os assustar. Mas o Riaz recusava-se.
Dizia que não e não. Perguntei-lhe se queria ou não o dinheiro. Se queria ou
não um café. Respondeu que sim. Então faz o que te mando, confia em mim,
disse-lhe eu. E como ele não tinha alternativa e também porque confiava mesmo
em mim, por mais louco que fosse o que lhe dizia, continuou e lá foi junto do
casal.
Depois disse-lhe que pedisse desculpe e lhe passasse o telemóvel a
ele e só a ele, caso contrário, se fosse a ela, havia já ali uma grande
confusão e isso era tudo o que não podia acontecer. A coisa tinha que ser feita
com toda a diplomacia possível. Ele continuava renitente e a não querer, porque
tinha medo, tinha vergonha e eu dizia-lhe que não estávamos a fazer nada que
envergonhasse ninguém. Não era um comportamento usual mas, fora isso, nada de
errado. Ele compreendia o que eu dizia mas encolhia-se, o que também dava para
entender. Ele era muito discreto. A questão é que a situação urgia um
procedimento um pouco bizarro, mas era pegar ou largar.
E lá foi ele, que acabou por ganhar a coragem necessária, pedindo
desculpa, meio sério meio sorrindo, que dava para ouvir bem. Pediu desculpa e
disse para o sujeito “fala aqui, por favor, fala aqui”, ao mesmo tempo eu
falava alto no telemóvel, para o sujeito ouvir a minha voz. E quando o
indivíduo, um pouco confuso e desconfiado, finalmente pegou no telemóvel, fui
logo pedindo desculpa, muita desculpa, que o meu namorado não falava português,
mas que não se assustasse, só precisava de um grande favor e não podia pedir a
qualquer um. Foi preciso dizer isto para que o sujeito percebesse que o assunto
era delicado e que exigia uma certa responsabilidade da parte dele e que
poderia aceitar ou não o favor que lhe estava a ser pedido.
Nesta altura ele já estava a falar comigo com tranquilidade e
expliquei-lhe uma vez mais que o meu namorado não era português, que eu estava
a trabalhar e ele precisava de levantar dinheiro para tomar café, sendo forçoso
ir ao multibanco, mas com a ajuda de alguém, porque sozinho não conseguia e se
ele fizesse o favor de ir com ele. Pedia-lhe e ao mesmo tempo ia agradecendo e
pedindo mil desculpas.
O sujeito compreendeu, acreditou em mim e prontificou-se a
acompanhá-lo. Pedi ao Riaz para não desligar a chamada para ir acompanhando o
que se estava a passar. Ouvi-os chegar à máquina, ouvi o ruído do cartão a
entrar, a máquina a arrancar, o sujeito perguntando se ele sabia inserir o
código, ele sorriu e disse que sim, inseriu e o outro perguntou-lhe quanto
dinheiro queria. Ele respondeu, o outro marcou no painel, saiu o dinheiro, saiu
o cartão e o fulano disse ao Riaz “pronto, está tudo certo”. O Riaz agradeceu,
eu agradeci e voltei a pedir mil desculpas pelo incómodo. O rapaz voltou para
junto da companheira, o Riaz voltou ao lugar onde estava com o seu
característico sorriso e estava tudo resolvido.
Ainda em linha comigo o Riaz perguntou novamente “quando vem”?
Respondi “não sei. E continuou com o seu sorriso malandro, dizendo: “crazy,
you”!...