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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O sofá - 11


Era uma vez um sofá, comprado no Ikea…

 

Um dia a minha tia pediu-me para ir com ela ao Ikea comprar um sofá individual para o meu tio se sentar confortavelmente a ver televisão, posto que o seu estado de saúde não era dos melhores. Acontece que o Ikea é a minha loja para todas as ocasiões, para tudo o que se possa imaginar, para mim, para a família e amigos, sempre, Ikea. Todos à minha volta sabem disso.

 

Então, numa tarde de sábado, lá fomos ao Ikea, no carro dos meus tios, por ser bem maior do que o meu. Até aqui, tudo certo. Chegados lá, começamos a ronda pela exposição dos móveis, para o meu tio experimentar por si mesmo e escolher, uma vez que o sofá se destinava exclusivamente a ele e depois de muita escolha, experimenta e não experimenta, lá se chegou a um consenso e o sofá foi eleito. Dirigimo-nos ao andar de baixo, à loja propriamente dita, a fim de carregarmos a embalagem no carrinho de transporte até à caixa.

 

Já aí começou a agitação, porque a minha tia achava que eu sozinha não ia conseguir tirar a embalagem da prateleira para o carro e ela e o meu tio não iam podiam ajudar, claro. Com toda a paciência, disse-lhes que não se preocupassem com isso, que era problema meu e lá pus o sofá embalado no carrinho, com grande espanto e admiração deles, que não deixavam de estar preocupados com o modo como o faríamos chegar ao seu destino, porque a cada passo, aumentava a preocupação deles. Por mais que lhes dissesse que estivessem calmos e me deixassem fazer as coisas do meu jeito, estavam sempre a dar palpites e a meter o bedelho e pior, a fingir que ajudavam em alguma coisa, quando na verdade só atrapalhavam as minhas manobras. Mas é assim mesmo.

 

Fomos para a caixa, o sofá foi pago e lá fui eu empurrando o carrinho até ao elevador, com eles atrás de mim, com aquelas caras de aflição, como se de uma missão impossível se tratasse. A cada passo, lá vinha uma questão que, para eles, parecia intransponível. Cansavam-me com tantas perguntas de como é que vamos fazer, como é que vamos acontecer… bla, bla, bla… e eu já não os podia ouvir.

 

Chegámos ao carro e a aflição deles só aumentava a cada minuto, a cada segundo. Eu bem os afastava e lhes pedia por favor para me deixarem fazer as coisas sozinha, mas eles queriam meter o nariz em cima de todos os movimentos que eu fazia. Era uma verdadeira canseira. Abrimos o porta-bagagens do Mazda e percebi que tinha que me livrar da embalagem, levando só o sofá, a fim de caber na mala do carro. E lá foi, com dificuldade, é claro, mas lá enfiei o sofá de modo a conseguir fechar a mala.

 

Todo o caminho tive que ouvi-los “e tu conseguiste, eh pá, como é que tu conseguiste fazer aquilo sozinha?” Enfim, aquela conversa não interessava para nada, mas era um mistério para eles. Chamaram-me precisamente para aquele fim e depois tanto espanto porque eu conseguia o que eles queriam. Sinceramente, não os entendia.

 

Finalmente chegámos a casa. Saímos do carro e lá ficaram eles novamente a torrar a minha paciência para tirar o sofá do carro. Tive que lhes dizer outra vez para se afastarem, para eu me poder mover, mas a cena foi idêntica à anterior. Eu a precisar de me movimentar e eles em cima de mim a meterem o nariz e a dar sugestões, que não faziam sentido nenhum. Mas o sofá saiu e carreguei com ele até à entrada do prédio e depois tive que subir os degraus desde a entrada do prédio até à porta do elevador, que não são poucos. Mas lá foi e tudo isto sob a vigilância atenta dos olhos da minha tia, especialmente, que não perdia nada, completamente espantada com a minha força, com a minha destreza, etc. Agora restava pôr o sofá no elevador e a minha missão estaria cumprida, sem grandes complicações, só que aqui, precisamente, começou a complicação e não foi pouca.

 

Primeiro, o sofá, por um triz, não cabia no elevador ou eu não conseguia fazer com que coubesse porque as portas, por pouco, mas muito pouco mesmo, não fechavam. Por essa eu não esperava e depois de várias tentativas, achei que a solução era carregar com ele até ao terceiro andar. Então, respirei fundo, mentalizando-me de que essa era a solução, enquanto ganhava tempo para me preparar fisicamente, a fim de subir as escadas com ele. Claro que nesta altura os meus tios já estavam alucinados e os meus nervos completamente em franja. Dizia-lhes que fossem para casa que eu resolvia o problema da maneira que tivesse que resolver, mas eles não arredavam o pé dali por nada deste mundo. Bom, fiz a tentativa de carregar o sofá, mas assim que subi os primeiros degraus, logo percebi que não ia ser possível. Era muito complicado e eu não era de ferro. Os meus cinquenta quilos não chegavam para aquilo, portanto, essa não ia ser a solução. 


Deste modo, a possibilidade era tentar voltar a pôr o sofá dentro do elevador, dando o jeito de conseguir fechar a porta e assim o fiz. Lá foi o sofá novamente para o elevador, embora a porta continuasse a não fechar. Empurra daqui, empurra dali, passa para lá, passa para cá e os “mirones” sempre atentos, falando o que lhes vinha à cabeça, que eu nem prestava atenção. A minha concentração era tal, que eu não ouvia nem via nada à minha volta. 


Felizmente, que tudo isto se passou num sábado e o prédio estava silencioso. Ao fim de uma longa hora, consegui finalmente fechar as portas do elevador. Tinha sujado um pouquinho o sofá, mas não era nada de mais, sairia facilmente. Enfim, estava cansada, não o podia negar, mas já podia respirar de alívio, porque estava na ponta final daquela ingrata missão, pensava eu. Entrei no elevador e carreguei para o terceiro andar. O elevador subiu e com grande alívio estávamos chegados ao destino. Eu nem queria acreditar.

 

Saio cá para fora, começo a puxar pelo sofá para o tirar e lá vem a minha tia a “tentar” ajudar e eu a empurrá-la para ela se meter em casa e me deixar manobrar à vontade. Mas então, tu não podes sozinha, dizia ela, como se já não tivesse podido antes. Bem, começa outra vez a minha luta, porque o sofá agora não queria sair de jeito nenhum. Eu puxava, empurrava, saltava por cima, para dentro, para fora, mas o sofá, teimoso, não cedia de maneira nenhuma. Eu estava doida e só me apetecia pegar num martelo e parti-lo todo, de farta que estava daquilo. Mas isso não podia ser, pelo menos até eu fazer todas as tentativas possíveis e impossíveis.

 

Não adianta explicar aqui as cenas que se passaram. O sofá não saía. Voltei a descer para tentar tirá-lo no rés-do-chão, onde ele tinha entrado, podia ser que a medida não fosse bem a mesma, mas o resultado era igual, não saía e pronto. Passou uma hora e eu estava de rastos. Eu e o sofá numa luta desgraçada. Passou mais uma hora e tudo continuava na mesma, só eu mais e mais cansada. Mais que isso, derrotada, transpirando por todos os poros. O cabelo estava uma verdadeira sopa. Parecia que tinha saído do esgoto. Transpirava dos pés à cabeça, com a roupa colada ao corpo. O meu rosto estava com um aspecto deplorável, com umas olheiras fundas e escuras como eu nunca tinha visto e o pior de tudo é que não via uma saída. 


Parei para pensar e porque já não aguentava mais. Tínhamos ido para o Ikea logo a seguir ao almoço e já era. A noite estava instalada e o diabo do sofá a atazanar a minha paciência. Que fazer? Sentia-me completamente encurralada. Eles tinham-me pedido ajuda porque não tinham alternativa. Só eu estava disponível para os ajudar e olha o que tinha acontecido. Deus do céu!

 

Estávamos os três parados, em silêncio, com umas caras de defuntos, como se estivéssemos num velório, onde não há nada a fazer a não ser estar. Sozinha comigo mesma, pensei que tinha que resolver aquele assunto, por todas as razões e mais algumas e porque eu sempre resolvo tudo e onde meto os pés meto a cabeça. Só que ali, naquele caso, tinha que o resolver recorrendo à ajuda de alguém, porque verdadeiramente e finalmente tinha que admitir que sozinha não conseguia. Tinha que recorrer a alguém e precisava de agir rapidamente, porque o dia estava a acabar e aquilo era para ser resolvido ainda naquele mesmo dia. Não ficaria para o dia seguinte, de maneira nenhuma, posto que era ponto assente e continuávamos todos em silêncio, dando pequenos passos à toa. Não tinha a quem recorrer, que eu conhecesse e pudesse ir ali, portanto, restava-me a solução mais louca, mas a mais prática e porque sou uma pessoa prática, assim pensei, assim fiz. Anunciei alto e bom som, que ia à rua arranjar um ou dois homens fortes para tirarem o sofá dali. 


Oh, foi o fim da picada. Vieram os comentários da ordem, que eu era doida, já o sabia. Onde e quem é que eu ia buscar? Aí estava uma coisa a que eu não podia responder porque, sem antes ir, não podia saber. Disse-lhes, então, que ficassem ali a tomar conta do sofá. Insistiam em querer saber onde eu iria. Gritei que não sabia, não tinha ideia, mas iria aonde fosse preciso e necessário para trazer comigo alguém, a fim de resolver o problema. Não sabia quanto tempo levaria e mais nada. Que desassossego, Deus meu! E lá saí eu porta fora, com um ar e um aspecto miserável. Enfim!…

 

Começo a descer a rua e as primeiras pessoas que vi, eram dois casais, gente nova, bem vestidinhos… esses não interessavam. Não eram apropriados para o efeito. Mais uma ou outra pessoa que nem valia a pena indagar. Virei a esquina e passava gente, pouca, mas passava. Tinha mesmo que dar uma de doida e abordar alguém. Não iria presa por isso, foi o que achei. Eu só precisava de ajuda e isso não era crime. Quando os outros precisavam de mim eu estava pronta para o que fosse, portanto, estava na minha vez de pedir ajuda e para isso tinha que pôr de lado e esquecer completamente a ética, o preconceito, o orgulho, a vergonha e mais alguma coisa de que agora não me lembro. Era uma varridela completa ao mais íntimo do meu ser, do meu âmago. Paciência. 


Sempre andando, dou uma olhadela geral e vejo um indivíduo encostado à parede, com um joelho dobrado e o pé para trás, apoiado na parede, com um cigarro, deitando fumaça para o ar. À frente dele estava uma rapariga com quem ele parecia falar. Ainda por cima aquela era uma zona bem afamada, quem me garantia que não era prostituição!? Mas o indivíduo, que de noite e ao longe, aparentava uns trinta e cinco anos, mais ou menos, tinha um porte atlético, exactamente como eu naquele momento precisava. Com toda a certeza ele fazia muito exercício físico, pois ninguém podia ter um cabedal daqueles sem ser assim. Pessoalmente, não gosto de homens demasiado musculados, mas naquele momento, era tudo o que eu precisava. Estava resolvido, ia caçá-lo, fosse como fosse. Pedi a Deus que me desse forças e comecei a encaminhar-me para lá. 


Entretanto, chegou outro indivíduo mais velho, que não tinha nada a ver, também a fumar, mas daria para ajudar, caso eu conseguisse comovê-los com a minha história. Esse é que era o problema e naquele momento eu tinha que ser tudo menos eu, ou não estaria ali a fazer aquela triste figura. Mas lá fui na direcção deles, até que cheguei ao pé dos três, que ficaram a olhar para mim com um ar surpreso e inquisidor, como era de esperar. 


O rapaz mais novo pôs o cigarro na boca e em vez de atirar o fumo para o ar, como o estava a fazer, atirou para a frente, num jeito meio provocador, que tive que me afastar ligeiramente, mas nem por isso desisti. Pedi desculpa pela intromissão e fui direita ao assunto. Disse que tinha ido ao Ikea comprar um sofá para o meu tio que estava doente e na volta, o sofá, que tinha entrado no elevador – só não disse o trabalho que deu -, não queria sair e não sabia o que fazer, por isso precisava de alguém que me desse uma ajuda, para não deixar os meus tios a braços com aquela empreitada, dada a idade avançada deles. Saiu, agora restava acreditarem em mim e permitirem-se fazer uma boa acção. 


Silêncio... enquanto o fumo se dispersava no ar, perdendo-se, para logo em seguida vir outra fumaça. Olharam todos uns para os outros, numa atitude de aparente indiferença, até que a rapariga intercedeu por mim e num tom de humildade, pediu ao rapaz para dar uma ajuda. O rapaz olhou para o outro indivíduo e por sua vez pediu-lhe ajuda, enquanto a rapariga continuava a fazer o papel de boa samaritana, instigando-os a irem ajudar-me. Apagaram os cigarros no chão, com o pé, e lá fomos todos, os quatro, enquanto eu começava a respirar aliviada por toda aquela forçada encenação que, com toda a verdade, não estava no programa. E enquanto nos dirigíamos para casa, na direcção contrária, aparecem os meus tios, que me vêm com aquela desconhecida turma. Em vez de estarem calados e quietos, que só facilitavam, nada disso. Começam a fazer as observações mais despropositadas e caóticas possíveis e eu a ver quando é que iam deitar tudo a perder. Santo Deus! Quem são, perguntavam eles, mas quem é essa gente e eu, chiu, chiu, falem baixo. Mas donde é que os conheces? Não os conheço. Então como é que eles vêm contigo? Calem-se, por favor, dizia-lhes eu, que só me apetecia estrangulá-los. Então e agora, o que é que vão fazer? Vão tentar ajudar, se vocês derem licença, a menos que queiram resolver o problema à vossa maneira… enfim… não estava sendo nada fácil.

 

Chegados à entrada do prédio, toda a gente entrou e os homens depararam-se com o problema que eles não faziam ideia do que ia ser. Quando olharam, de certeza acharam que eu era uma inútil, coitada. No olhar deles estava estampado que aquilo era canja. A minha expectativa era grande, pois na verdade, não fazia ideia do que ali se iria passar. Tudo era possível. Tudo.

 

Enquanto a rapariga falava com os meus tios, mais propriamente com a minha tia, os dois homens tinham dado início à tarefa e eu não desviava a minha atenção deles, por nada deste mundo. Queria ver o que aquilo ia dar e rezava para que eles conseguissem resolver o problema. E aí passaram cinco minutos, e dez, e vinte e já estávamos com meia hora bem contada e o sofá não saía e o homem mais velho volta e meia perguntava, foi a senhora que meteu o sofá no elevador? Já não o podia ouvir. E passou mais meia hora e os dois homens estavam alagados. Transpiravam por tudo quanto é lado e a minha tia com as mãos apertadas e os dedos cruzados, não parava com a mesma lamentação “ora esta”, ora esta… os meus ouvidos já estavam saturados e os homens suavam, suavam. Eu estava quase a pôr termo àquilo tudo, indo buscar o martelo para quebrar o sofá e esvaziar o elevador quando, finalmente, como que por milagre, o sofá saiu inteiro, sem precisar de ser abatido.

 

Fantástico!