À minha frente, uma escadaria que nunca mais acabava... eu
era mais doida do que supunha.
A Lúcia tinha dito desde o início "amiga, podes trocar o
televisor, mas quem fica a perder és tu e eu não vou conseguir dar-te grande
ajuda"... mas eu aceitara a troca. Aliás, fui eu que pedi. Ninguém pede
para trocar um televisor pequeno por um grande!?
Tudo começou quando, uma vez mais, decidi dar um visual novo à
minha sala. E depois da mudança percebi que o meu televisor era muito grande
para o novo espaço. Que fazer? A solução era um LCD, mas ainda eram muito caros
e naquele momento não podia ser. Então, enquanto esperava, tinha que arranjar
um televisor bem mais pequeno. E quem poderia fazer essa troca comigo? A Lúcia,
claro.
Estava feito. Um dia, saímos as duas à mesma hora e fomos
direitinhas à minha casa. E depois de ter estudado muito bem o plano, ela
sempre acabou por me dar uma ajudinha. Abria e fechava as portas. A porta de
casa, a porta do elevador, a porta do carro e também carregava uns fios
eléctricos do televisor, que era um catramolho desgraçado e pesava para
caramba. Mas eu não tinha lata para pedir a ninguém um favor daqueles. E
depois, favores, pagam-se.
Mas o televisor lá entrou no carro, com um empurrão daqui, um
empurrão dali, um "cuidado" daqui, cuidado dali, lá foi. Entrámos no
carro e fui dirigindo da Póvoa de Stº Adrião até à Pontinha. Pelo caminho, a
Lúcia buzinava nos meus ouvidos o tempo todo, que eu não podia levar o
televisor até lá acima. Era muito pesado, era perigoso e eu não ia ter força
suficiente para aquilo. Era coisa para um homem ou dois. Não dava jeito, etc,
etc, etc. Eu sabia de tudo, mas tinha que ser e pronto. Garanti-lhe que o
televisor ia chegar a casa dela.
Chegámos, andamos às voltas para arranjar o melhor estacionamento,
o que não foi fácil. Mas estacionámos. Depois, era preciso atravessar a
estrada para chegar ao outro lado da rua, ao prédio dela. Ela atravessou e
ficou à minha espera, claro, toda nervosa. E eu lá fui, carregando o televisor,
devagar, passo a passo, cada vez mais perto do final, mas cada vez mais perto
do ponto crucial: a escadaria que dava acesso à base do prédio dela.
Com muito esforço cheguei ao outro lado da rua e a primeira coisa
que fiz foi largar o televisor no chão, com o restinho de fôlego que me
restava. Posto isto, respirei fundo e pensei "está quase, é só subir a
escadaria"?!... E então, a Lúcia fugiu escadas acima, cheia de nervoso
miudinho, sem saber o que fazer. Ela nem queria olhar. Mas o milagre tinha que
acontecer e mais uma vez lhe disse que punha o televisor em casa dela,
portanto, o problema era meu. E desapareceu prédio adentro.
Olhei para as escadas sem conseguir fazer uma previsão do tempo
que levaria para carregar com aquilo e mais outras coisas, equilíbrio, etc...
porque na verdade eu era apenas cinquenta quilos num metro e sessenta de
altura. Tudo contava e tudo estava em jogo. Olhei mais uma vez e pensei que não
havia alternativa e portanto, baixei-me para pegar no televisor. Agarrei-o firmemente
e devagarinho fui-me levantando para não me desequilibrar.
Ao mesmo tempo que me levantava carregando o televisor, vi um
policial fardado, um homem com um aspecto robusto, que me olhava fixamente,
enquanto caminhava na minha direcção. No rosto dele percebi que interferia
comigo. Seria proibido carregar televisores? Teria eu cara de quem tinha
roubado um televisor? Iria pedir-me documentos? Talvez não fosse nada disso,
apenas impressão minha.
E continuando na minha direcção, aproximou-se, dizendo: "uma
senhora não pode carregar um televisor desse tamanho, dê cá que eu levo, é só
dizer para onde o quer levar". Esperava tudo, menos aquela atitude. Mas
apressei-me a dizer que era para levar até ao cimo da escada, insistindo que eu
o podia carregar. O policial nem me deu mais tempo. Tirou-me o televisor e
rapidamente subiu a escada, comigo atrás dele.
E continuou - "e agora?" - respondi que era naquela
porta e que era fácil metê-lo no elevador. Então ele pediu para lhe abrir a
porta e finalmente entrou no prédio, chamou o elevador e colocou o televisor lá
dentro dizendo "está entregue". Agradeci, voltei a agradecer e ele
foi-se.
Toquei à campainha da porta da Lúcia, mas a porta estava só
encostada e ela logo apareceu. Abriu a porta toda e eu entrei, largando o
televisor no primeiro pouso que encontrei. O televisor estava entregue,
conforme o prometido e a Lúcia dizia: "Já?... Que força tu tens, amiga!?
Bem dizias tu que conseguias. Tens tanta força como um homem?!...