Eu
era uma mãe chata. Pelo menos era assim que era vista, como uma mãe muito
chata, porque cuidava do meu filho. E estavam sempre todos a pôr-me mil
defeitos, porque não o deixava assim, porque não o deixava assado, porque isto
e porque aquilo, mas todos queriam desmandar ou mandar na minha maneira de ser
“mãe”. Mas nunca me deixei levar pelos comentários nem pelas vozes dos outros.
O meu filho era responsabilidade minha e só minha. Portanto, família, amigos,
ninguém tinha que se meter na maneira como eu educava o meu filho.
Uma
vez, estando de férias nos Açores, era uma noite de verão e fomos visitar uns
amigos, amigos do peito, que viviam perto de Ponta Delgada. Eles tinham um
filho com quinze anos e uma menina com três anos. Era muito grande a diferença
de idades entre ambos, por isso aquela menina era tratada como uma princesa. E
a São, a minha amiga, não fugia à regra de achar que eu era muito chata como
mãe.
Estava
uma noite de Agosto muito quente e fomos desinquietá-los para virem connsco até
à marginal, apanhar um pouco de ar fresco, mas eles não estavam para aí
virados. O meu filho tinha nessa altura cinco anos e ele e a menina, a Catarina,
logo começaram a brincar um com o outro, como é normal. E como não se largavam
um do outro, convencemos os pais preguiçosos a deixarem vir a menina connosco
para fazer companhia ao Henrique e brincarem mais um pouco. A São chamou-me à
parte e quase em segredo disse que não deixava a Catarina aos cuidados de
ninguém, porque aquela menina era um presente da vida. Apareceu quando eles já
não pensavam mais em ter filhos. E de repente vem a Catarina e foi um alegria e
tanto. E então, continuando a conversa quase secreta, confessou-me que
excepcionalmente a deixaria ir porque era comigo e sabia que comigo estava bem
entregue.
Entendi
o recado. E percebi o contrassenso da questão. Então, para cuidar do meu
próprio filho eu era sempre tida como muito chata, mas para cuidar da filha
dela já não era. Só ia comigo porque sabia como eu era cuidadosa, era essa a
palavra. E que comigo ela sabia que estava bem entregue. Esta vida tem coisas
curiosas. E lá fomos passear na avenida marginal, cheia de gente, onde as crianças
brincaram, correram, riram e gritaram até à hora de ir levar a Catarina a casa.
Um
dia a minha prima-irmã, bem mais irmã do que prima porque fomos criadas juntas
e que era uma das primeiras a criticar-me e sempre a repreender-me porque eu
era muito chata para o meu filho, teve que se ausentar para África, onde ela
fazia trabalhos de campo, na qualidade de antropóloga. Ela é bastante mais nova
do que eu e nessa altura tinha o primeiro filho, o Afonso, com precisamente
nove meses. Desde que ele nascera ainda nunca se tinha separado dele. Mas aí
estava um trabalho do qual não gostaria de abdicar. E como resolver o problema?
Ela tinha uma empregada o dia inteiro em casa com quem o Afonso ficava até ela
ou o pai chegarem, mas para o deixar sem ela, só com o pai, era complicado.
Deixá-lo com os avós era uma hipótese, mas apenas se não houvesse outra melhor.
A quem é que ela recorreu? Pois é, telefonou-me porque precisava de falar
comigo, contou-me que tinha que ir para a Guiné, mas só podia ir com o filhote
bem entregue para poder ficar completamente descansada. E na verdade eu era a
única pessoa em quem ela podia confiar plenamente. Eram nove dias fora de casa.
E tinha que ser eu, só eu e mais ninguém. Pois é, mas não podia ser. Eu
trabalhava e não podia ficar em casa a cuidar do filho dela. Nunca pude com o
meu ia ser com o dela? Ficou com os avós e ficou muito bem.
As
pessoas são estranhas. Para cuidar do meu filho era muito isto, muito aquilo,
mas para os delas era a única em quem confiar. Fantástico! Afinal era uma mãe
chata ou era apenas uma mãe cuidadosa?!