Quequto é aquele garoto
irrequieto e indisciplinado, que está sempre a levar broncas por causa do
seu mau feitio e outras coisas mais. Mas o que poucos sabem é que ele é
também sensível e cheio de ideais que, talvez não pareça, mas em relação aos
quais corre atrás. Eu sei porque duas vezes por semana tenho que
levar com ele e tenho que ter tanta paciência com ele como ele
comigo.
Durante muito tempo tinha um
disco que era sempre o mesmo: "vou ser como o Ronaldo! Vou ser igual a
ele!" Cansei de ouvir esta ladainha vezes sem conta. Por tudo e por
nada, ou seja, porque se sentia diminuído e inferiorizado, muito
provavelmente, umas vezes com razão, outras nem tanto, sei lá. Oito anos
apenas... nem sempre é fácil. Até porque uns têm tudo e outros não têm
nada.
O facto, é que eu já não
podia ouvir aquela cena do vou ser igual ao Ronaldo. Até a uma simples
pergunta que lhe fazia, antes de responder directamente à questão,
primeiro saía aquele disco. Logo, aquela afirmação era pertinente. Se não
sou bom naquilo que os outros querem que eu seja, vou já avisando que
serei um “clone” do Ronaldo.
Então, um dia, comecei a
pensar na forma de alterar aquela distorção de personalidade. Porque a
mim, aquilo não soava nada bem. Querer ser igual a alguém é mau, porque implica
uma anulação do eu. Eu quero ser o outro. E ninguém é o outro. Cada um só é
igual a si mesmo. Para isso tem que se encontrar.
E o Quequto, um menino das
Áfricas, de família humilde, carenciada, etc..., não fugia à regra. E não
era por ter apenas oito anos que não era relevante. Enfim, a minha cabeça
começou a ponderar naquele assunto e a passar a mensagem para o sítio certo: o
coração.
Um dia, enquanto estávamos no apoio a trabalhar com as crianças, mais uma vez
apanho o Quequto com o disco do costume, sempre acompanhado de uma falsa
superioridade, pelo facto de querer ser igual ao outro. E não esperei
mais. Pus as mãos nos ombros dele, abanando-o ligeiramente, mas com muita
firmeza enfrentei-o olhos nos olhos e depois de um curto silêncio em que o
trouxe inteiro a mim, fazendo-o focar toda a atenção nas palavras que ele
ia ouvir, não sem algum receio e inquietação, pois acho que pensou que seria
mais uma bronca, disse-lhe simplesmente: “ouve o que te vou dizer. Ouve bem,
com muita atenção e nunca, mas nunca te esqueças disto - e a ansiedade
dele crescia, mas aguentou-se sem me interromper -, tu não vais ser igual ao
Ronaldo, ouviste? - E o olhar dele estava fixo e imóvel, sem saber se
ficava de rastos ou se explodia, como era seu costume com tudo - Tu não vais
ser igual ao Ronaldo, nunca. Sabes porquê? - E os olhos dele enchiam-se de brilho
e ficavam ainda maiores - Porque tu vais ser muito melhor do que ele. Mas
muito, muito melhor. Por isso, nunca mais te quero ouvir dizer que vais ser
igual a ele. Quando fores um jogador profissional, nunca mais ninguém vai
falar do Ronaldo, porque tu vais ser muito melhor do que ele”.
Baixou a guarda e continuou a olhar para mim, como se estivesse anestesiado.
Jamais pensou que poderia ouvir de alguém semelhante coisa. Tenho a certeza de
que por momentos ele experimentou a sensação do sonho impossível que na
realidade não é impossível. O facto é que ficou curado e nunca mais, nunca mais
voltou a falar do Ronaldo. Em contrapartida, começou a ganhar cada vez mais
confiança em si mesmo, no que se referia ao aprendizado que era o pretendido.
Eu acredito que o Quequto um
dia pode vir a ser melhor do que o Ronaldo. Quem diz ele diz outro
qualquer.
Porque não?