LQ
era um assessor do CA que foi colocado num gabinete da Direcção Técnica para
lhe darmos apoio. Quem trabalhava mais directamente com ele era a Catarina, mas
sempre sobrava alguma coisa para mim.
Era
curtido e vaidoso, também. Não era muito bem visto pelos trabalhadores, mas com
o tempo, acabou por ser aceite, conseguindo uma boa colaboração por parte de
todos, pelo menos, na nossa Direcção.
Era nervoso e irrequieto e fazia questão de dar sempre a entender que
estava muito ocupado, mesmo quando era apanhado a dormir, mas considerava-se o
maior e queria mandar em tudo e todos.
Um dia, olhando para ele, sempre em movimento, percebi que as calças do terno
branco que usava com frequência, estavam curtas e fora de moda. Comentei com a
Catarina, que logo começou a rir e as duas rimos à conta das calças curtas do
LQ. A partir daí, sempre que ele punha aquele fato, lá olhávamos nós uma
para a outra e lá vinham à baila as calças dele, para nos divertirmos um pouco.
E os comentários começavam: “mas a mulher não vê?”, “e não tem outra roupa para
vestir?”, “com tanto dinheiro que ganha”... etc, etc. Até que, sugeri à
Catarina, que o chamasse à atenção para o facto de as calças estarem muito
curtas, mas a Catarina coibiu-se, não tinha muito à vontade para isso. Como vi
que ela não iria avançar, disse-lhe que lho diria eu mesma. Ela riu muito, deu
muita gargalhada, mas achava que eu não seria capaz de lhe dizer. No fundo ela
tinha um certo medo dele, como quase toda a gente.
Os
dias passaram e lá vem o LQ novamente com o seu fato branco, imaculado, que
devia estar imundo. Ás vezes dava-nos gozo falar mal de qualquer coisa e o LQ
prestava-se a isso. No fundo só precisávamos de descontrair um pouco. E dizia
ela a rir com gosto: “diz lá, Luisinha, diz”. Ok. Lá o chamava eu
“engenheiro”, era assim que o tratávamos “oh engenheiro, pode chegar aqui” e a
Catarina a tentar ficar séria, engolindo o riso e o gozo que lhe ia na alma,
porque ela era sempre muito correcta, correcta de mais. Sim, sr. engº, sim, sr.
engº. Mesmo que não fosse para ser, ela sempre dizia "sim" a
tudo.
Lá veio ele e quando chegou perto de nós, com muita calma, perguntei-lhe em voz
baixa “engenheiro, já viu como essas calças estão curtas, precisa descer essa
bainha, se quiser traga-as que eu arranjo, se não tiver quem lhe faça”… ele
interrompe, começa a gaguejar - o que acontecia sempre que ficava nervoso, dizendo:
“ah, não, este fato já é velho, tenho que o pôr de lado, porque tenho lá um
novo”… bla… bla… bla…
A Catarina morta de riso e o homem desfazia-se em desculpas esfarrapadas
porque, na verdade, ele tinha sido apanhado de surpresa. Ele nunca pensou que
alguém reparasse naquele pormenor e muito menos o dissesse assim, abertamente,
sem rodeios. Mas ele ia sempre directo aos assuntos, com tudo e todos,
portanto, eu só fiz o mesmo. Tinha aprendido a lidar com ele e amor com amor se
paga.
Bom, depois de muito tagarelar, prometeu que não usaria mais aquele terno, mas
olhava para nós com um olhar diferente do habitual. Talvez por ter descoberto
que afinal não éramos só o que aparentávamos. Afinal, havia mais em nós, embora
estivéssemos sempre caladinhas e a Catarina no sim, sr. engº. Ele foi, e nós
ríamos que nem umas perdidas. A Catarina nem queria acreditar do que eu tinha
sido capaz. Mas aquilo não era nada. E contámos às outras colegas as história
das calças e todas diziam “ah… tu disseste?” É, eu disse.
Os
dias passaram e um dia à chegada dele, pela manhã, olho para a Catarina e digo
“lá vem ele outra vez com aquelas calças, não acredito!” E diz a Catarina já a
desfazer-se a rir: “Então, o que é que tu queres, o homem não tem outras”.
Começo a chamar por ele “engenheiro, oh engenheiro” e lá vem ele apressado, a
andar de lado, com papéis na mão para mostrar trabalho e com a cara franzida,
para se perceber que àquela hora da manhã já estava cansado de trabalhar.
“Engenheiro,
outra vez essas calças?” Resposta dele, parecendo um garoto que está a ser
chamado à atenção por algo que não fez, ao mesmo tempo que se olha de cima a
baixo para obter a sua própria aprovação:
Mas são outras(?)… ai, vocês!...