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terça-feira, 9 de setembro de 2014

As calças brancas do LQ - 6


LQ era um assessor do CA que foi colocado num gabinete da Direcção Técnica para lhe darmos apoio. Quem trabalhava mais directamente com ele era a Catarina, mas sempre sobrava alguma coisa para mim. 

 

Era curtido e vaidoso, também. Não era muito bem visto pelos trabalhadores, mas com o tempo, acabou por ser aceite, conseguindo uma boa colaboração por parte de todos, pelo menos, na nossa Direcção. 


Era nervoso e irrequieto e fazia questão de dar sempre a entender que estava muito ocupado, mesmo quando era apanhado a dormir, mas considerava-se o maior e queria mandar em tudo e todos. 


Um dia, olhando para ele, sempre em movimento, percebi que as calças do terno branco que usava com frequência, estavam curtas e fora de moda. Comentei com a Catarina, que logo começou a rir e as duas rimos à conta das calças curtas do LQ. A partir daí, sempre que ele punha aquele fato, lá olhávamos nós uma para a outra e lá vinham à baila as calças dele, para nos divertirmos um pouco. E os comentários começavam: “mas a mulher não vê?”, “e não tem outra roupa para vestir?”, “com tanto dinheiro que ganha”... etc, etc. Até que, sugeri à Catarina, que o chamasse à atenção para o facto de as calças estarem muito curtas, mas a Catarina coibiu-se, não tinha muito à vontade para isso. Como vi que ela não iria avançar, disse-lhe que lho diria eu mesma. Ela riu muito, deu muita gargalhada, mas achava que eu não seria capaz de lhe dizer. No fundo ela tinha um certo medo dele, como quase toda a gente. 

 

Os dias passaram e lá vem o LQ novamente com o seu fato branco, imaculado, que devia estar imundo. Ás vezes dava-nos gozo falar mal de qualquer coisa e o LQ prestava-se a isso. No fundo só precisávamos de descontrair um pouco. E dizia ela a rir com gosto: “diz lá, Luisinha, diz”. Ok. Lá o chamava eu “engenheiro”, era assim que o tratávamos “oh engenheiro, pode chegar aqui” e a Catarina a tentar ficar séria, engolindo o riso e o gozo que lhe ia na alma, porque ela era sempre muito correcta, correcta de mais. Sim, sr. engº, sim, sr. engº. Mesmo que não fosse para ser, ela sempre dizia "sim" a tudo. 


Lá veio ele e quando chegou perto de nós, com muita calma, perguntei-lhe em voz baixa “engenheiro, já viu como essas calças estão curtas, precisa descer essa bainha, se quiser traga-as que eu arranjo, se não tiver quem lhe faça”… ele interrompe, começa a gaguejar - o que acontecia sempre que ficava nervoso, dizendo: “ah, não, este fato já é velho, tenho que o pôr de lado, porque tenho lá um novo”… bla… bla… bla…


A Catarina morta de riso e o homem desfazia-se em desculpas esfarrapadas porque, na verdade, ele tinha sido apanhado de surpresa. Ele nunca pensou que alguém reparasse naquele pormenor e muito menos o dissesse assim, abertamente, sem rodeios. Mas ele ia sempre directo aos assuntos, com tudo e todos, portanto, eu só fiz o mesmo. Tinha aprendido a lidar com ele e amor com amor se paga. 


Bom, depois de muito tagarelar, prometeu que não usaria mais aquele terno, mas olhava para nós com um olhar diferente do habitual. Talvez por ter descoberto que afinal não éramos só o que aparentávamos. Afinal, havia mais em nós, embora estivéssemos sempre caladinhas e a Catarina no sim, sr. engº. Ele foi, e nós ríamos que nem umas perdidas. A Catarina nem queria acreditar do que eu tinha sido capaz. Mas aquilo não era nada. E contámos às outras colegas as história das calças e todas diziam “ah… tu disseste?” É, eu disse. 

 

Os dias passaram e um dia à chegada dele, pela manhã, olho para a Catarina e digo “lá vem ele outra vez com aquelas calças, não acredito!” E diz a Catarina já a desfazer-se a rir: “Então, o que é que tu queres, o homem não tem outras”. Começo a chamar por ele “engenheiro, oh engenheiro” e lá vem ele apressado, a andar de lado, com papéis na mão para mostrar trabalho e com a cara franzida, para se perceber que àquela hora da manhã já estava cansado de trabalhar.

 

“Engenheiro, outra vez essas calças?” Resposta dele, parecendo um garoto que está a ser chamado à atenção por algo que não fez, ao mesmo tempo que se olha de cima a baixo para obter a sua própria aprovação:

 

Mas são outras(?)… ai, vocês!...