AC era um colega muito porreiro e querido, que se prestava à brincadeira. De baixa estatura, barba rasteira, usava óculos com umas lentes que lhe aumentavam imenso os olhos e que nunca tirava. Conforme fazia questão de lembrar, a mulher não gostava de o
ver sem óculos, porque ficava com os olhos muito pequeninos.
Era um indivíduo curtido, até
hoje, bem humorado e sempre com a piada certa, fizesse rir ou não. Passava a
vida a contar piadas e anedotas que nos punham sempre a rir muito, na maioria
das vezes porque realmente tinham piada, outras vezes, porque não tinham piada
nenhuma mas, só por isso, já nos dava um enorme gozo e acabávamos rindo do
mesmo jeito, como se tivesse tido imensa graça.
Mas era uma pessoa com quem
se podia contar. Amigo, camarada, o problema era o “profissionalismo”, tão
profissional, que às vezes deixava de fazer o que tinha que fazer, por achar
que não lhe ficava bem… e tudo em nome do profissionalismo. Enfim, cada um é
como é.
O seu sonho era subir, subir,
não por ser pequenino(!), mas porque queria um cargo à “altura”. E como era
casado pela segunda vez, sonhava que um dia haveria de fazer uma surpresa à
mulher, com uma nomeação a sério, de modo a ficar muito bem visto e lhe fazer
ver que tinha feito bem em ter investido nele e, em boa verdade, não se
pode dizer que essa sua aspiração de subir na vida não fosse legítima, já que
todos têm esse sonho, mas uns mais do que outros e outros ainda bem mais.
A sua grande paixão era a
engenheira TA, loura, de olhos azuis, bonita, interessante e culta. Muito sua
amiga, mas que lhe dava muito trabalho, sobretudo quando resolvia tirá-lo do
sério, a que ele resistia heroicamente, devo salientar. Era um espectáculo e
tanto. A adrenalina subia que não era brincadeira.
Sabendo todos da sua grande
aspiração, subir na vida, ter um cargo como deve ser, um dia a engenheira TA,
bem disposta e especialmente inspirada, resolveu pregar-lhe uma bela duma
partidinha. Pegou numa ordem de serviço antiga, fez um texto adaptado à
circunstância no qual era nomeado o engenheiro CP, então chefe de ambos, para
Director, e AC para subdirector. Estava ali tudo direitinho com as assinaturas
perfeitas do Conselho de Administração e tudo na maior perfeição. Ninguém diria
que tudo aquilo era falso, porque estava feito com todo o primor, com excepção
no que toca ao conteúdo, mas isso é outra história.
E sai a ordem de serviço
número não sei quantos, que foi devidamente distribuída pelos funcionários, os
quais foram previamente avisados para a brincadeira que se estava a fazer.
AC e seu chefe, engenheiro
CP, tinham ido tomar um cafézinho da praxe e quando voltaram, tinham em cima
das respectivas mesas a dita ordem de serviço. O engenheiro CP viu, leu e ficou
quieto, pensativo. AC leu e mal tomou conhecimento de que tinha sido nomeado
para subdirector, entrou de imediato em transe completo e absoluto. Queria
falar e nem podia. Com o nervosismo, até os óculos lhe caíram e a primeira
coisa que fez foi pegar no telefone e ligar para a sua “Maria”.
Toda a direcção estava a postos, observando o espectáculo. AC tremia que nem
varas verdes e logo que a mulher atendeu, começou a gaguejar, que nem a voz lhe
saía. Mas, gaguejando e soluçando, lá começou desfazendo-se de sua justiça,
contando o feito e salientando que sempre lhe dissera que tinha a certeza de
que um dia seria reconhecido o seu talentoso profissionalismo com todo o seu
merecidíssimo mérito, etc… etc… etc… Bestial! AC estava no sétimo céu, com tudo
a que tinha direito. Os outros não, claro. Ele era assim e cada um é como é…
O homem estava em choque,
tremendo e transpirando por todos os poros, mas toda a Direcção Técnica da Rádio também e não menos. Aquilo era para ser uma brincadeirinha, só que
ninguém podia supor que a coisa tomasse proporções tão alarmantes. Isso,
ninguém poderia imaginar, pois se alguém tivesse imaginado, jamais a
brincadeira teria saído, com toda a certeza.
O engenheiro CP, que tinha
ficado introspectivo com aquela história e como tem bastante mais do que dois
dedos de cabeça, achou que aquilo não podia ser, que ali havia coisa, só não
sabia qual era a coisa e como é um indivíduo de boa fé, sensato e tudo o mais,
nunca pensou que aquilo pudesse ser uma brincadeira e muito menos, vindo de onde veio. Mas também ninguém podia adivinhar que a reacção fosse tão
catastrófica!?
E ouvindo o estardalhaço do amigo, que se desfazia de tanta importância, pegou
na ordem de serviço e informou que ia pessoalmente à Administração, saber que
raio de coisa era aquela, que para ele não fazia sentido nenhum. Só que aí, os
colegas fizeram barreira, detendo-o, para a confusão que estava feita não ser
ainda maior e pouco a pouco começaram a fazê-los entender que tudo não passava
de uma brincadeira.
E enquanto o engenheiro CP respirava de alívio, os sonhos de AC caíam por
terra, desmoronando-se e desfazendo-se que nem castelos de areia na praia.
Cada um é como é!...