Centro
Ásia, Chelas, 60 lojas onde há tudo o que se possa imaginar.
A Teresa e
eu tínhamos acabado de almoçar e naquele dia não tínhamos o grupo do costume.
Todos se tinham dispersado. Cada um com seu motivo, todos faltaram ao convívio,
tendo ficado só nós duas.
O dia
estava bonito e decidimos dar uma volta nos jardins do condomínio das
instalações da RTP. Andando e conversando, passámos junto à vedação que dá para
as instalações do grande Centro Ásia, um mega armazém de revenda onde está
instalado o mundo do comércio Chinês. Como tínhamos algum tempo, decidimos ir
ver as novidades por aquelas bandas.
Saímos as
portas da RTP para entrarmos nas portas mesmo ao lado, as do Centro Ásia e
depois de termos dado uma voltinha rápida e geral decidimos entrar numa loja de
malas que tem malas, malinhas, malões para todos os gostos e feitios. Mas, ao entrarmos,
fomos logo informadas pela única pessoa que lá estava a tomar conta daquilo,
que só vendiam às caixas e cada caixa tinha uma série de malas ou sacos, o que
não nos interessava. E, em princípio, nem comprar nada nos interessava. Só
queríamos ver.
Era um
chinês alto, bastante alto para chinês e magro, muito magro também. Um rapaz
novo, com menos de trinta anos que, após ter dado o recado, voltou a sentar-se
no banquinho onde estava antes de se levantar para vir falar connosco.
Respondemos
que não queríamos comprar nada, mas gostaríamos de dar uma volta só para ver. O
chinês, que voltou ao seu posto numa posição nada cómoda, mas que parecia não o
incomodar, tinha um recipiente com comida no chão, e a refeição a meio.
Podia-se ver que já tinha iniciado, mas depois, por qualquer razão, parou,
largou e deixou por ali mesmo, em pleno chão, sem qualquer proteção. Já tinha visto
destas cenas na rua, em Nova York, no bairro chinês, por isso não fiquei muito
espantada.
Claro que
o espaço era tudo menos limpo. Pó e lixo era o que não faltava, mas isso não
interessava nada. Ele sentava-se com as costas todas curvadas para se apoiar na
parede atrás dele e fechava os olhos, tentando dormir. Perante a nossa
inesperada entrada, foi obrigado a fazer um pequeno intervalo para nos advertir
que não podíamos comprar à unidade. Havia algumas lojas em que isso era
possível, ali porém, ele acabava de nos informar que tal não poderia ser. Não,
não podia… reforçava ele, sempre com o mesmo semblante, sem qualquer outra
expressão ou reacção. Está bem… não podia, não podia e nós na verdade não
tínhamos a menor intenção de comprar o que quer que fosse, porém, informámos
que faríamos a nossa ronda só para apreciar, mais nada. Ele não dizia que não,
mas sentado mal e porcamente, por assim dizer, estava de olho em nós. Dormia
mas não queria ou queria mas não dormia, porque um olho estava fechado e o outro
aberto. Era assim uma cena meio estranha. E lá iniciámos a nossa ronda, sob a
vigia que dormia atento a cada passo, a cada movimento nosso.
Olhávamos
os expositores, dávamos dois, três passos e apreciávamos o que estava à nossa
frente. Comentávamos, trocávamos impressões e o chinês, como um autómato, abria
os dois olhos só para dizer novamente “não pode levale; só a caixa inteila…”
mas nós já sabíamos disso, não era preciso ele repetir. Mas respondíamos que
sim e continuávamos a nossa visita pela loja, ignorando o chinês. E esta cena
repetiu-se vezes sem conta. Nós já sabíamos que mais uma vez ele ia abrir a
boca para dar o recado e ele também já sabia que a seguir a nossa resposta ia
ser a mesma, mas aquele diálogo continuou certinho, durante todo o tempo que lá
estivemos, que foram cerca de trinta minutos. Já não o podíamos ouvir. Porém,
teimosamente, continuávamos na nossa intenção de ver todas as malas, da
primeira à última, percorrendo assim o espaço completo da loja.
E quando
acabámos de ver tudo e estávamos na recta final, já em direcção à porta da rua,
faltava apenas um enorme caixote que estava no chão, a pouquíssimos passos de
distância do chinês, a Teresa e eu parámos para espreitar e mais uma vez o
chinoca lembrou “não pode levale, só a caixa inteila”… porém, em vez de
responder, como fizera anteriormente de todas as vezes que ele interviera,
fiquei parada num saco que atraiu a minha atenção. Sussurrei com a Teresa que
era giro, o que ela confirmou. Fiquei um pouco a contemplar o saco, observando-o
de vários ângulos, olhámos uma para a outra continuando a apreciar e estava
decidido, o saco era meu porque eu o queria, mas só aquele e não a caixa
“inteila”, claro estava. Mas como havíamos de fazer? Olhámos uma para a outra
pensando o mesmo, mas sem perder tempo e com o saco na mão, desprezando
completamente as suas advertências da caixa inteira, virei-me para o chinês e
perguntei fria e secamente: quanto custa?
Ao mesmo
tempo que sentia o constrangimento da Teresa que parecia que até tinha ficado
com a respiração em suspenso, o chinês levantou a cabeça e sem sequer pestanejar,
respondeu: cinco euros. Estava feito(?!).