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domingo, 20 de maio de 2018

A mala do chinês - 43


Centro Ásia, Chelas, 60 lojas onde há tudo o que se possa imaginar.

 

A Teresa e eu tínhamos acabado de almoçar e naquele dia não tínhamos o grupo do costume. Todos se tinham dispersado. Cada um com seu motivo, todos faltaram ao convívio, tendo ficado só nós duas.

 

O dia estava bonito e decidimos dar uma volta nos jardins do condomínio das instalações da RTP. Andando e conversando, passámos junto à vedação que dá para as instalações do grande Centro Ásia, um mega armazém de revenda onde está instalado o mundo do comércio Chinês. Como tínhamos algum tempo, decidimos ir ver as novidades por aquelas bandas.

 

Saímos as portas da RTP para entrarmos nas portas mesmo ao lado, as do Centro Ásia e depois de termos dado uma voltinha rápida e geral decidimos entrar numa loja de malas que tem malas, malinhas, malões para todos os gostos e feitios. Mas, ao entrarmos, fomos logo informadas pela única pessoa que lá estava a tomar conta daquilo, que só vendiam às caixas e cada caixa tinha uma série de malas ou sacos, o que não nos interessava. E, em princípio, nem comprar nada nos interessava. Só queríamos ver.

 

Era um chinês alto, bastante alto para chinês e magro, muito magro também. Um rapaz novo, com menos de trinta anos que, após ter dado o recado, voltou a sentar-se no banquinho onde estava antes de se levantar para vir falar connosco.

 

Respondemos que não queríamos comprar nada, mas gostaríamos de dar uma volta só para ver. O chinês, que voltou ao seu posto numa posição nada cómoda, mas que parecia não o incomodar, tinha um recipiente com comida no chão, e a refeição a meio. Podia-se ver que já tinha iniciado, mas depois, por qualquer razão, parou, largou e deixou por ali mesmo, em pleno chão, sem qualquer proteção. Já tinha visto destas cenas na rua, em Nova York, no bairro chinês, por isso não fiquei muito espantada.

 

Claro que o espaço era tudo menos limpo. Pó e lixo era o que não faltava, mas isso não interessava nada. Ele sentava-se com as costas todas curvadas para se apoiar na parede atrás dele e fechava os olhos, tentando dormir. Perante a nossa inesperada entrada, foi obrigado a fazer um pequeno intervalo para nos advertir que não podíamos comprar à unidade. Havia algumas lojas em que isso era possível, ali porém, ele acabava de nos informar que tal não poderia ser. Não, não podia… reforçava ele, sempre com o mesmo semblante, sem qualquer outra expressão ou reacção. Está bem… não podia, não podia e nós na verdade não tínhamos a menor intenção de comprar o que quer que fosse, porém, informámos que faríamos a nossa ronda só para apreciar, mais nada. Ele não dizia que não, mas sentado mal e porcamente, por assim dizer, estava de olho em nós. Dormia mas não queria ou queria mas não dormia, porque um olho estava fechado e o outro aberto. Era assim uma cena meio estranha. E lá iniciámos a nossa ronda, sob a vigia que dormia atento a cada passo, a cada movimento nosso.

 

Olhávamos os expositores, dávamos dois, três passos e apreciávamos o que estava à nossa frente. Comentávamos, trocávamos impressões e o chinês, como um autómato, abria os dois olhos só para dizer novamente “não pode levale; só a caixa inteila…” mas nós já sabíamos disso, não era preciso ele repetir. Mas respondíamos que sim e continuávamos a nossa visita pela loja, ignorando o chinês. E esta cena repetiu-se vezes sem conta. Nós já sabíamos que mais uma vez ele ia abrir a boca para dar o recado e ele também já sabia que a seguir a nossa resposta ia ser a mesma, mas aquele diálogo continuou certinho, durante todo o tempo que lá estivemos, que foram cerca de trinta minutos. Já não o podíamos ouvir. Porém, teimosamente, continuávamos na nossa intenção de ver todas as malas, da primeira à última, percorrendo assim o espaço completo da loja.

 

E quando acabámos de ver tudo e estávamos na recta final, já em direcção à porta da rua, faltava apenas um enorme caixote que estava no chão, a pouquíssimos passos de distância do chinês, a Teresa e eu parámos para espreitar e mais uma vez o chinoca lembrou “não pode levale, só a caixa inteila”… porém, em vez de responder, como fizera anteriormente de todas as vezes que ele interviera, fiquei parada num saco que atraiu a minha atenção. Sussurrei com a Teresa que era giro, o que ela confirmou. Fiquei um pouco a contemplar o saco, observando-o de vários ângulos, olhámos uma para a outra continuando a apreciar e estava decidido, o saco era meu porque eu o queria, mas só aquele e não a caixa “inteila”, claro estava. Mas como havíamos de fazer? Olhámos uma para a outra pensando o mesmo, mas sem perder tempo e com o saco na mão, desprezando completamente as suas advertências da caixa inteira, virei-me para o chinês e perguntei fria e secamente: quanto custa?

 

Ao mesmo tempo que sentia o constrangimento da Teresa que parecia que até tinha ficado com a respiração em suspenso, o chinês levantou a cabeça e sem sequer pestanejar, respondeu: cinco euros. Estava feito(?!).