O aeroporto internacional de S. Paulo estava uma completa bagunça,
por conta da greve dos controladores de tráfego aéreo. Havia vôos em atraso e
outros que nem se chegavam a realizar. No entanto, a Inajá e eu conseguimos um
voo para Natal.
Era um avião muito pequeno, como os que fazem os vôos inter-ilhas,
nos Açores. E aí estávamos as duas sentadas, à espera de embarcar para um
merecido descanso em Ponta Negra. Mas eu nunca tinha visto um vôo assim. Assim,
quero dizer, naquelas condições. Bem sei que íamos para o nordeste, mas nunca
pensei que aquilo existisse. Havia um indivíduo que não tirava os olhos de mim,
o que já me estava a incomodar. Claro que não seria pelos meus lindos olhos,
mas talvez me tenha ouvido falar e tenha percebido que era Portuguesa.
E finalmente lá veio a chamada para o vôo. Foi tudo a correr, com
certeza com medo de perderem o avião, mas como a Inajá não estava com pressa
nenhuma, fomos ficando para o fim e quando entrámos, já estava praticamente
cheio e não conseguimos lugar juntas. Ela passou à minha frente e fez-me sinal
para me sentar na segunda fila do lado esquerdo, porque logo a seguir, ou seja,
na terceira fila, também havia um outro lugar e assim poderíamos ficar o mais
perto possível uma da outra.
Havia muita gente no corredor e não davam passagem. O avião tinha
somente duas filas de três lugares de cada lado e o corredor ao meio. Atrás de
mim vinha o sujeito que não tirava os olhos de mim e quando me preparei para me
sentar - o que não era fácil, porque era um lugar entre duas pessoas e
portanto, tinha que passar por cima da primeira, a da ponta, que era uma
senhora gorda, que não fazia a menor intenção de se levantar para eu passar, fui
obrigada a alçar a perna e praticamente pular por cima dela, que ainda por cima
era bastante avantajada. Então, o indivíduo, o tal que me seguia com o olhar,
aproveitou a deixa para comentar “tá vendo como é bom ser magra”?! Fiquei
sabendo que gostava de mulheres magras.
Finalmente consegui chegar ao lugar e sentar-me. Entretanto, a Inajá já estava
sentada e lá nos acomodámos. Eu levava um livro para me entreter na viagem, mas
ainda era cedo para começar a minha leitura. O rebuliço era tremendo. Havia uma
agitação fora do vulgar. Um avião tão pequeno conseguia dar mais trabalho do que
um grande. Pois é, mas tinha-me esquecido que era um voo doméstico! As
hospedeiras não tinham mãos a medir. Uma senhora que ia sentada na fila à minha
frente, a primeira, estava muito preocupada por conta de uma pequena mala que
não conseguia acomodar na bagageira e a hospedeira não queria que ela a levasse
no colo. Disse-lhe que a acomodaria na parte de trás do avião e que à chegada
lha devolveria, mas a senhora não estava nem um pouco descansada. É que eram os
medicamentos dela e queria-os debaixo de olho. Foi uma luta. Cada um tinha o
seu problema e a sensação que eu tinha é que ouvia galos e galinhas
cacarejando… có-có-ró-có-có… por todo o lado, mas acho que isso não podia ser,
não sei. É porque as pessoas tinham todas um ar muito rural, gente do “sítio”,
muito caipiras e as bagagens que traziam eram igualmente caipiras. Cestos de
verga e outras coisas do género. Eu olhava e parecia que transportavam
garrafões de vinho ou azeite ou ainda cachaça, sei lá. Também não devia ser
nada disso, mas era a impressão que me causava. Só sei que era uma bagunça
infernal e que aquela gente não se acomodava nem por nada.
Com tudo isto, tive uma crise de claustrofobia como nunca tinha
tido na minha vida, até porque, felizmente, não sofro de claustrofobia. Mas
também pode ter sido pânico. Estava um calor infernal e o ar condicionado geral
ainda não tinha começado a funcionar. Com aquela gente toda em cima de mim e o
avião tão pequeno, parecia que queria respirar e não podia. Comecei a suar, a
suar e pensei que me ía dar uma coisa. Estava quase a gritar, descontrolada,
quando me lembrei de abrir o ar por cima de mim e fi-lo no momento certo. Mais
um segundo e tinha sido uma bronca.
Bom, o avião arrancou e finalmente preparava-me para dar início à
minha leitura, quando percebi que não ía ser possível. O indivíduo à minha
direita, junto à janela, como o vôo era de baixa altitude e se via a paisagem
lá por baixo, estava deliciado e fez a viagem toda com o pescoço virado a 90
graus à direita e o rosto colado ao vidro da janela, o que me tirava toda a
luz. Azar… ainda fiz uma cara feia, mas ele sorria de uma ponta a outra, com os
lábios cerrados e percebi que não havia nada a fazer.
Entretanto, veio uma “aeromoça” perguntar o que queríamos tomar.
Pedi uma coca-cola sem gelo e a senhora do meu lado esquerdo pediu um chá com
gelo. Isto, depois de muitas tentativas por parte da hospedeira, porque ela não
sabia o que pedir. Encolhia os ombros e sorria, só isso.
A confusão tinha abrandado um pouco, mas continuava muita agitação
e eu não perdia a esperança de ver um galo ou uma galinha pulando no meio do
corredor ou um caipira puxar do garrafão e meter à boca uma cachacinha.
Entretanto, dá-se um episódio completamente insólito. Um
passageiro deficiente precisou de ir ao WC. Até aqui tudo bem. Vieram duas
hospedeiras que transportaram o senhor até à porta do WC e depois o
transferiram para a sanita. Como o avião era muito pequeno aquilo era tudo ali
à nossa frente. O povo todo se levantou para “espreitar”… eu nem queria
acreditar no que os meus olhos viam. Veio uma outra hospedeira que mandou
sentar toda a gente e correu um cortinado de um lado ao outro, o que era a
coisa certa. Ainda assim, houve quem abrisse o cortinado para ver o senhor
deficiente a fazer xixi!? É inacreditável uma coisa desta natureza. Eu estava
passada.
Tudo voltou ao normal e lá veio uma hospedeira trazendo as
bebidas. Quando chegou a vez da minha fila ela perguntou para quem era a
coca-cola e antes que eu tivesse tempo de responder, a senhora do meu lado
esquerdo respondeu que era dela. Pensei que talvez ela tivesse mudado à última
hora e eu não me tivesse apercebido e antes que a bebida fugisse tomou logo um
gole. Mas não, claro que não. Quando a hospedeira me vinha dar o chá eu disse
“desculpe, coca-cola”. Então a hospedeira percebeu imediatamente que tinha
havido uma troca e apressou-se a substituir o chá pela coca-cola que eu tinha
pedido. Aí aconteceu outra cena inesquecível. A senhora caipira, na sua doce e
ingénua inocência, com toda a calma deste mundo, disse “ai disculpi, eu
menganei”, mas isto foi o de menos. Isto era natural. O que não era natural é o
que se segue. Depois de já ter tomado um ou dois goles, não sei, muito solícita
e delicadamente, vem devolver-me a coca porque era minha(!?)...
E viva o nordeste! Viva o Brasil, que eu amo de paixão.