Translate

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O carro da Lúcia - 51


A Lúcia era minha colega, minha amiga e uma parceira incrível para todo o tipo de coisas, porque sempre nos punha a rir, sobretudo quando menos inesperado, porque tinha um sentido de humor invejável que a fazia estar sempre bem, contagiando todos. Conseguia tirar partido de tudo, até quando a coisa era séria e feia. Quando parecia que o drama estava instalado, a Lúcia largava aquelas gargalhadas fortes e desconcertantes que faziam o milagre de transformar o drama da vida numa verdadeira festa ou quase.

 

Um dia a Lúcia comprou um carro novinho em folha - zero quilómetros. Estava feliz da vida. O dela já estava estava velhote, com bastantes anos, de modo que depois de muito ver e de muito pensar, aconselhada por um primo entendido na matéria, decidiu-se por um Honda Jazz, na altura bastante publicitado.

 

Dava gosto ver a felicidade dela, o prazer e a satisfação que aquele carro lhe proporcionava. Já andava há tanto tempo para concretizar aquela necessidade, filha única, a mãe decidiu dar-lhe uma ajudinha e o carro novo lá saiu. E agora queria que todas as amigas e colegas vissem e experimentassem o seu Honda, mais precisamente Honda Jazz. Já tinha levado as primas e seus respectivos filhos a passear no carro novo e passava a vida a convidar toda a gente para experimentarem o seu Honda novinho em folha, como ela fazia sempre questão de mencionar.

 

E um dia chegou a minha vez. Num fim-de-semana combinámos um passeio e lá fomos nós. Ela queria que eu conduzisse mas eu recusei-me. Gosto muito de conduzir mas é no meu carro, assim como também não me agrada que os outros conduzam o meu. Carro gosta e habitua-se a ser conduzido pelo seu dono. E assim, lá fui conduzida pela Lúcia, cuja felicidade era bem visível. Eu estava contente por ela, pois era um gozo muito bem merecido.

 

Fomos pela marginal fora, passando por todas as praias, apreciando o bom tempo, o sol, o calor, a luz do início do outono, conversando disto e daquilo, mas volta e meia a conversa era o seu rico Honda. E ela achava o carro tão bom que, estando eu na iminência de ter que trocar de carro, queria convencer-me a comprar um Honda.

 

Bom, em primeiro lugar, Honda não é propriamente a minha marca de eleição. É assim, cada um tem as suas manias e eu tenho as minhas. Mas Honda não. Além disso, durante os quilómetros que já tínhamos rodado, eu achava que o carro não era propriamente grande coisa. Primeiramente, pensei que era da condutora, mas com o andamento comecei a notar que o carro não desenvolvia, não tinha pedalada. E para ser sincera com ela, como sempre sou, disse-lhe que achava estranho o desempenho do carro. 

 

Ela não concordava nada comigo, pois claro e dali começou um desacordo entre as duas. Desfazia-se em elogios com o carro, que era muito dinâmico, que aqueles carros andavam muito e eram bastante nervosos, etc… mas eu não via nada disso. Podia ser da condução? Podia, mas não era só isso. Já tínhamos feito quilómetros suficientes e eu não percebo nada de carros nem de mecânica, contudo, o que eu via era um carro cuja performance não me convencia, mas de jeito nenhum. E continuei a dizer-lhe o que achava, que o carro não andava. Ela tentava convencer-me do contrário, em vão. Por mais que ela se esforçasse e dissesse o melhor possível do carro, aquele carro para mim não servia. Estava muito aquém do exigido para ser o meu carro. Definitivamente não gostei e na minha modesta opinião, aquele carro não andava.

 

A Lúcia não estava a gostar da minha apreciação sobre o seu querido carro, mas eu não podia mentir-lhe. Era o que era. Contudo, se para ela estava bem, que bom! O carro era dela, não era meu?! Se eu comprasse aquele carro, ele saía do stand para voltar a entrar. Para mim um carro tem que andar. E não é que eu tenha carros de corrida, nem tão pouco seja uma condutora de carregar no acelerador. Considero-me uma condutora bastante cautelosa, mas um carro tem que andar, tem que ter um mínimo de desenvolvimento e o que eu via era que aquele carro era “pobre” demais nesse aspecto. Não, eu não queria nada daquilo. Mas ela estava feliz, deixá-la lá estar como queria. Por sinal, isto foi até comentado no trabalho com os colegas e ela fez questão de frisar que eu não tinha gostado do carro, mas mantive a minha opinião. Porquê mudar?

 

O tempo passou e a Lúcia sempre muito contente com o seu carrinho. Passou sensivelmente um ano e um dia a Lúcia recebeu uma carta da Honda. Nessa carta pediam-lhe que, logo que lhe fosse possível, se dirigisse ao concessionário mais próximo para um assunto do seu interesse. Tudo bem. A Lúcia foi ao stand e o carro foi directo para a oficina. Falaram com ela, fizeram o que tinham a fazer e o Honda voltou à rua conduzida pela Lúcia.

 

Quando chegou à RTP com a carta na mão, veio ter comigo, gritando e ainda mais feliz do que antes: “amiga, tinhas razão, os carros da série em que o meu estava incluído tinham um erro de fábrica que só agora foi detectado; trocaram uma peça e agora sim, agora o meu carro anda. Agora o meu carro anda!… Tinhas razão!... ... …