A Lúcia era minha
colega, minha amiga e uma parceira incrível para todo o tipo de coisas, porque
sempre nos punha a rir, sobretudo quando menos inesperado, porque tinha um
sentido de humor invejável que a fazia estar sempre bem, contagiando todos.
Conseguia tirar partido de tudo, até quando a coisa era séria e feia. Quando
parecia que o drama estava instalado, a Lúcia largava aquelas gargalhadas
fortes e desconcertantes que faziam o milagre de transformar o drama da vida
numa verdadeira festa ou quase.
Um dia a Lúcia
comprou um carro novinho em folha - zero quilómetros. Estava feliz da vida. O
dela já estava estava velhote, com bastantes anos, de modo que depois de muito
ver e de muito pensar, aconselhada por um primo entendido na matéria,
decidiu-se por um Honda Jazz, na altura bastante publicitado.
Dava gosto ver a
felicidade dela, o prazer e a satisfação que aquele carro lhe proporcionava. Já
andava há tanto tempo para concretizar aquela necessidade, filha única, a mãe
decidiu dar-lhe uma ajudinha e o carro novo lá saiu. E agora queria que todas
as amigas e colegas vissem e experimentassem o seu Honda, mais
precisamente Honda Jazz. Já tinha levado as primas e
seus respectivos filhos a passear no carro novo e passava a vida a
convidar toda a gente para experimentarem o seu Honda novinho em
folha, como ela fazia sempre questão de mencionar.
E um dia chegou a
minha vez. Num fim-de-semana combinámos um passeio e lá fomos nós. Ela queria
que eu conduzisse mas eu recusei-me. Gosto muito de conduzir mas é no meu carro,
assim como também não me agrada que os outros conduzam o meu. Carro gosta e
habitua-se a ser conduzido pelo seu dono. E assim, lá fui conduzida pela Lúcia,
cuja felicidade era bem visível. Eu estava contente por ela, pois era um gozo
muito bem merecido.
Fomos pela
marginal fora, passando por todas as praias, apreciando o bom tempo, o sol, o
calor, a luz do início do outono, conversando disto e daquilo, mas volta e meia
a conversa era o seu rico Honda. E ela achava o carro tão bom que, estando
eu na iminência de ter que trocar de carro, queria convencer-me a comprar
um Honda.
Bom, em primeiro
lugar, Honda não é propriamente a minha marca de eleição. É assim,
cada um tem as suas manias e eu tenho as minhas. Mas Honda não. Além
disso, durante os quilómetros que já tínhamos rodado, eu achava que o carro não
era propriamente grande coisa. Primeiramente, pensei que era da condutora, mas
com o andamento comecei a notar que o carro não desenvolvia, não tinha
pedalada. E para ser sincera com ela, como sempre sou, disse-lhe que achava
estranho o desempenho do carro.
Ela não
concordava nada comigo, pois claro e dali começou um desacordo entre as duas.
Desfazia-se em elogios com o carro, que era muito dinâmico, que aqueles carros
andavam muito e eram bastante nervosos, etc… mas eu não via nada disso. Podia
ser da condução? Podia, mas não era só isso. Já tínhamos feito quilómetros
suficientes e eu não percebo nada de carros nem de mecânica, contudo, o que eu
via era um carro cuja performance não me convencia, mas de jeito nenhum. E
continuei a dizer-lhe o que achava, que o carro não andava. Ela tentava
convencer-me do contrário, em vão. Por mais que ela se esforçasse e dissesse o
melhor possível do carro, aquele carro para mim não servia. Estava muito aquém
do exigido para ser o meu carro. Definitivamente não gostei e na minha modesta
opinião, aquele carro não andava.
A Lúcia não
estava a gostar da minha apreciação sobre o seu querido carro, mas eu não podia
mentir-lhe. Era o que era. Contudo, se para ela estava bem, que bom! O carro
era dela, não era meu?! Se eu comprasse aquele carro, ele saía do stand para
voltar a entrar. Para mim um carro tem que andar. E não é que eu tenha carros
de corrida, nem tão pouco seja uma condutora de carregar no acelerador. Considero-me
uma condutora bastante cautelosa, mas um carro tem que andar, tem que ter um
mínimo de desenvolvimento e o que eu via era que aquele carro era “pobre”
demais nesse aspecto. Não, eu não queria nada daquilo. Mas ela estava
feliz, deixá-la lá estar como queria. Por sinal, isto foi até comentado no
trabalho com os colegas e ela fez questão de frisar que eu não tinha gostado do
carro, mas mantive a minha opinião. Porquê mudar?
O tempo passou e
a Lúcia sempre muito contente com o seu carrinho. Passou sensivelmente um ano e
um dia a Lúcia recebeu uma carta da Honda. Nessa carta pediam-lhe que,
logo que lhe fosse possível, se dirigisse ao concessionário mais próximo para
um assunto do seu interesse. Tudo bem. A Lúcia foi ao stand e o carro
foi directo para a oficina. Falaram com ela, fizeram o que tinham a
fazer e o Honda voltou à rua conduzida pela Lúcia.
Quando chegou à
RTP com a carta na mão, veio ter comigo, gritando e ainda mais feliz do que
antes: “amiga, tinhas razão, os carros da série em que o meu estava incluído
tinham um erro de fábrica que só agora foi detectado; trocaram uma peça e
agora sim, agora o meu carro anda. Agora o meu carro anda!… Tinhas razão!...
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