Apesar de Outono o dia estava lindo, o céu azul transparente e o sol
afagava docemente como que acarinhando a nossa pele. A quinta era um convite ao
bem estar, ao lazer, à boa disposição. Sobretudo, depois da excelente refeição
com que fomos presenteados. Pessoas humildes, mas gente muito boa que davam o
que tinham e o que não tinham.
O gado pastava livremente enquanto estávamos sentados em volta da mesa
conversando disto e daquilo, vagarosamente, sem pressa de nada. As crianças
brincavam e a quinta parecia que sorria alegremente para nós.
Para quem nasce na cidade, vive na cidade, a oportunidade de estar entre a
natureza é uma verdadeira dádiva. Era assim que eu me sentia. Presenteada pela
vida. E aquilo é que era correr, espreitar tudo, observar as sementeiras, contar
as árvores de fruto, tudo era motivo de admiração e observação. E o poço!...
O poço já deveria ser muito velho. Já devia ter dado muita água, regado
muita terra, alimentado muito gado e muita gente, como não? Uma quinta não
sobrevive sem um poço. Agora, o tempo tinha passado, tudo era diferente, mas o
poço lá estava coberto pela folhagem. Por baixo da folhagem devia haver terra
seca ou enlameada, se é que alguma coisa sobrava.
E não havia tédio. De alguma forma todos se distraíam. Ao fim do dia partiríamos,
mas até lá, era aproveitar com todo o agrado o que a natureza tinha de melhor
para nos oferecer.
E a brincadeira foi para o jogo das escondidas, onde cada um arranjava um
sítio melhor que o outro. Estava realmente um dia excepcional e um
clima maravilhoso. E o poço!... O poço, que sem saber porquê, tanto me
cativava, activando a minha imaginação. Mas ali não havia nada.
Apenas folhas e mais folhas, um verdadeiro amontoado de folhas. Seria
interessante que assim não fosse, que estivesse limpo e cheio de água. A água é
sempre interessante de se observar. E imaginava o poço a funcionar, com baldes
carregados de água a saírem de lá para várias funcionalidades. Olhava a espessa
camada de folhas e tentava imaginar água limpa, onde tudo se reflectiria.
Rostos, corpos, árvores, céu, sonhos… enfim. Era uma pena o poço tão seco e
abandonado.
No meio de tanta brincadeira e descontracção, de um dia que parecia perfeito, apeteceu-me entrar no poço, passar para o seu interior. Sem hesitar, pulei o muro que o circundava, com cuidado para não me desequilibrar e cair, não fosse magoar-me, o que não dava jeito nenhum e fiquei de pé, prontinha para cair lá dentro. E no preciso momento em que me predisponho a saltar para dentro, eis que uma pedra vinda não sei de onde, alguém que se lembrou de a atirar, passa no meio da folhagem, ao mesmo tempo que se ouvia um som característico como um “tlim”… desaparecendo por completo, enquanto um repuxo de água se solta, atingindo uns bons centímetros de altura, para voltar a cair por sobre a folhagem, abrindo caminho, apartando as folhas secas, deixando-me com a respiração cortada e completamente em desequilíbrio, quase sem tempo para apenas recuar, olhando abismada as folhas que continuavam a deslocar-se, mostrando toda a água e mais água, que se aclarava e se aquietava à medida que as folhas se afastavam, levando o meu enorme espanto, que seguia o rumo da pedra, perdendo-se pelo poço dentro para no fundo repousar e não mais voltar.