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quarta-feira, 16 de abril de 2025

O "Henrique" - 80

 

De todos os lugares da terra que já visitei, e não foram assim tão poucos, há três cidades que me deslumbraram completamente. Em terceiro lugar, Istambul, capital da Turquia; em segundo, Rio de Janeiro, Brasil e em primeiro, Nova Iorque.

Sei que para a grande maioria das pessoas Paris é isto, é aquilo, mas, muito sinceramente, não me diz nada. É só mais uma, igual a tantas outras. Para mim passou totalmente despercebida. O que é Paris comparando com Roma, por exemplo. Roma é um fascínio! Roma está cheia de mistério, cheia de mensagens codificadas aqui e ali, ao virar da esquina, em todos os monumentos e em todas as ruas a história fala a olhos vistos e os segredos descobrem-se como se tudo tivesse uma voz própria, que cada um pode ouvir e que para cada um é diferente.

É mística, é doida, calorosa, é o máximo. Ali, o passado tem uma força esmagadora. É impossível descartar. Mas no meio deste tumultuado caminho de emoções há uma dor profunda. Roma é Itália! É vida e morte, tudo ao mesmo tempo e às vezes eu ficava com a sensação de que estava lá e não cá. O passado que eu não vivi entrava no meu presente, quase que baralhando a minha cabeça e o meu espírito.

E como Itália, outros países do mundo me fascinaram, por este ou aquele motivo. Em todos os lugares há uma energia muito própria, muito surreal, que é preciso viver para sentir. Não podemos viajar com a mente fechada. Temos que abrir as portas do nosso eu para passar à experiência, naquilo que vemos, sentimos, absorver a comunicação com os demais, o que eles nos passam, os seus ditames, o que os cobre, a maneira como se vestem, deliciarmo-nos com o que nos dão a comer, certamente diferente dos nossos hábitos, mas para tudo precisamos de abrir fronteiras, ou arriscamo-nos a ficar fora de tudo, da essência vida.

Com efeito, alguma coisa muito especial chamou a minha atenção para estas três cidades que já mencionei, fazendo com que a minha pontuação caísse sobre elas e não noutras. A terceira, Istambul, é uma cidade maravilhosa, cheia de história, com tanta coisa para visitar, como tantas outras cidades ou lugares, é certo, mas, mais do que tudo, no meio daquela barafunda toda, uma cidade muçulmana onde as mulheres e os homens se vestem quase todos de maneira muito própria e para além daquela divisão entre Europa e Ásia, uma coisa me deixou completamente extasiada, o chamamento à mesquita ou à oração, aquela lengalenga que eu não sabia sequer o que diziam, mas que entoada do jeito deles, fica entre a música e o choro, é um som delicioso, que convida de facto ao silêncio e nos faz recolher ao nosso interior elevando o espírito para outras dimensões.

Aquela música chorada é linda, linda, uma coisa do outro mundo, sempre às mesmas horas, parece que o mundo inteiro pára para ouvir aquilo, deixando-nos extasiados e na mesma e única sintonia, que ultrapassa os limites humanos. É realmente de uma beleza impressionante. E não é que não tenha ouvido o mesmo, por exemplo, no Bangladesh, mas nem por sombras se assemelha à Turquia. No Bangladesh é um ruído assustador, uma coisa medonha que apetece fugir. Na Turquia é a coisa mais maravilhosa que já ouvi. Lindo! Lindo!...

Depois, em segundo, O Rio de Janeiro. O Rio é o lugar onde eu viveria por puro prazer. Ali encontrei tudo aquilo que tive em criança e perdi. Ali encontrei o meu sol, o meu calor tropical, gente de todas as cores, onde cada um veste o que quer e lhe apetece, onde a fruta salta aos nossos olhos, é o Brasil. Mas o Rio de Janeiro é especial. Eu nem sei o que salientar, porque tudo ali é bom. É uma pena ser tão mal aproveitado e não vou falar disso porque não vem ao caso.

E em primeiro lugar, como já referi, Nova Iorque, “a cidade que nunca dorme”. Com efeito. Nova Iorque é Nova Iorque e uma sensação de liberdade incrível. Não consigo expressar por palavras o que sinto por aquela cidade. É uma loucura atrás da outra.

Mas numa destas três cidades que me marcaram de modo especial, há uma historinha engraçada que aconteceu no Rio de Janeiro, precisamente em Copa Cabana.

Estávamos a passear, O Carlos e eu, quando decidimos alugar uma motinha. Eram as mais pequenas de todas. Uma graça! Só de olhar para elas já apetecia montar e fugir. Eram eléctricas e óptimas para passearmos pelo Rio, que é grande que nunca mais acaba, como todo o Brasil. E como andávamos muito a pé, aquilo seria uma grande ajuda e ao mesmo tempo um enorme prazer. Por isso decidimos aproximarmo-nos dos lugares de aluguer e sabermos como era.

Fomos caminhando, olhando, ao mesmo tempo que apreciávamos toda aquela beleza à nossa volta, pela calçada ou pela praia, até que decidimos ir a um rapaz que tinha várias motinhas das que queríamos. O Carlos, que é entendido no assunto, começou a falar com o rapaz que alugava as motos. Começou a fazer perguntas e enquanto eles falavam eu reparei que o rapaz era bonito e tinha olhos verdes.

O Carlos olhou, viu esta, aquela, a outra, falou, perguntou, ouvimos o que o rapaz dizia e ao mesmo tempo íamos falando um com o outro. Vinha outra pessoa que também estava interessada, e outra, olhávamos o mar, a praia, sob um sol radioso e lindo demais, as pessoas aproveitando a vida, calculávamos o tempo de energia que a moto oferecia e fazíamos cálculos para os nossos próximos passeio e o tempo ia passando, calma e tranquilamente, com todo o prazer que tudo aquilo nos proporcionava e que é preciso agradecer à vida, ao universo que tudo rege e comanda.

E então o Carlos interrompe tudo para me fazer a observação de que o rapaz se parecia muito com o Henrique, o meu filho querido. É bonito, tem olhos verdes, é muito parecido com o teu filho, dizia ele. Sim, respondi, enquanto acenava com a cabeça em sinal afirmativo. Coincidência, podia ser irmão, primo… tinha graça. E, sem querer, comecei a divagar. Ele tinha família completamente desconhecida no Brasil, isso sim. O avô paterno tinha emigrado para o Brasil e formado outra família, deixando a mulher e os filhos nos Açores, quando o pai dele, do meu filho, tinha apenas dois anos. Motivos de desentendimento entre o casal o levaram a isso. É a vida. E nunca mais ninguém soube dele. Mas isso era só eu a divagar, claro. As coincidências da vida, que às vezes não passam mesmo de coincidência, nada tendo a ver com a realidade.

Decidimos que ficaríamos ali naquele posto com o “Henrique” e fizemos a marcação para o dia seguinte. Tudo certo. Foi então que o Carlos, para ter a certeza de que encontrava o rapaz, perguntou “o seu nome, por favor”. Resposta dele: “Henrique”.