A Lúcia e eu decidimos ir almoçar fora. Não tinha nada a ver
com o que quer que fosse que o refeitório da RTP tivesse para aquele dia.
Apenas, uma vez por outra, apetecia-nos espairecer na hora do almoço.
Decorriam as olimpíadas e todas as televisões dentro da
empresa, num canal ou noutro, não falavam em outra coisa. E lá fomos nós em
busca de um lugar diferente.
Saímos das instalações da Avenida
5 de Outubro e fomos até ao Chimarrão que nessa altura havia no Campo Pequeno,
mesmo ao lado da Praça de Touros. Era um espaço gigante, onde acorria sempre
muita gente que trabalhava ali naquelas redondezas e provavelmente outras
pessoas vindas de outros lados. Para nós, estava óptimo. Eram meia dúzia de
passos e lá estávamos nós.
Como era um espaço bem amplo,
normalmente havia sempre lugar. E além de ser chimarrão, havia alternativas à
ementa. Portanto, estava bem para qualquer um. A Lúcia sempre foi uma óptima
companhia, porque estava sempre bem disposta. Tudo para ela era motivo de
gargalhada e gozação. A descontração morava dentro dela, o que eu invejava
grandemente, no bom sentido. Para ela nunca havia drama. Drama não ligava com a
personalidade dela, de jeito nenhum. Nunca conheci ninguém assim.
Chegadas ao Chimarrão, procurámos
uma mesa vaga e sentámo-nos. Na parede de fundo, lá estava um écran gigantesco
e, como não podia deixar de ser, a transmitir os Jogos Olímpicos. Mas enfim,
dado que estávamos fora do nosso local habitual, não nos afectava muito.
Logo de seguida chegaram dois
indivíduos, que se sentaram numa mesa bem pertinho, logo a seguir à nossa.
Lembro-me de que os dois chegaram, tiraram os respectivos casacos, ou
sobretudos, puxaram das cadeiras e tomaram lugar à mesa. E é então que, sem
querer, ouço um deles dizendo ao outro que o tinha chamado para irem ali
almoçar, porque os dois tinham um assunto de trabalho para conversar e ele
achava que seria mais proveitoso fora do local de trabalho, a fim de não serem
interrompidos nem importunados com outros assuntos, etc, etc, etc, ao que o
outro logo concordou, dizendo que estava plenamente de acordo e que tinha sido
uma excelente ideia.
Ouvindo esta conversa, ainda que
sem querer, pensei para comigo mesmo, que iam tratar de trabalho, o que não era
o nosso caso. A Lúcia e eu íamos simplesmente espairecer. Talvez dizer
disparates e falar de tudo menos de trabalho. Para isso não teríamos ido ali.
Eu não queria de todo estar a ouvir a conversa dos dois, nem de ninguém. Mas
eles estavam tão perto de nós, que era impossível não ouvir. Mesmo estando nós
duas a falar uma com a outra, mesmo assim, ouvia-se, mesmo não querendo.
Dito isto, e enquanto tinham a
ementa já nas mãos, eis que toca o telemóvel de um deles, que logo atende,
dando início à conversação. Chegou o empregado, que o fez interromper a
conversa ao telefone por uns instantes, mas logo recomeçou. O empregado
retirou-se com ele ainda ao telemóvel e antes mesmo que a conversa terminasse,
tocou o telemóvel do outro, que logo atendeu. Entretanto, o primeiro terminou,
ficando em silêncio, pois o segundo estava agora a falar ao telemóvel.
A Lúcia e eu já tínhamos sido
servidas e limitávamo-nos a saborear o nosso rico almoço, bem diferente do
refeitório. E enquanto comíamos íamos conversando e parando, conversando e
parando. Dizendo as nossas larachas e rindo das parvoeiras que íamos
relembrando.
Entretanto os nossos amigos,
parceiros de negócio, também já tinham iniciado o seu almoço. A diferença entre
eles e nós, é que enquanto nós comíamos e conversávamos uma com a outra, eles
comiam e falavam ao telemóvel. Acabava um, começava o outro. E às tantas eram
os dois ao mesmo tempo. Que gente tão solicitada, pensava eu. Nem o almoço lhes
dava o merecido prazer, porque ainda por cima as conversas eram longas. Longas a
falar, longas a ouvir do lado de lá. E sempre que um começava a falar com o
outro, por ausência de telefonemas, era certo que a conversa não ia para além
de duas ou três palavras, pois eram logo interrompidos pelos telemóveis.
E nós na boa, descontraídas, carregando
as baterias para mais uma tarde de trabalho e de olimpíadas, também, mas depois
de uma boa e saborosa refeição.
Curiosamente o nosso almoço
terminou mais ou menos ao mesmo tempo que o deles, pois quando chamámos o
empregado para pagar, eles aproveitaram e fizeram o mesmo. E tal como nós,
pediram a conta, pagaram, levantaram-se, voltaram a enfiar os casacos e
guardaram os telemóveis nos respectivos bolsos.
Os dois tinham ido para uma
conversa especial, segundo palavras deles, com uma certa importância. Tão
importante que convinha ser fora do local de trabalho. Para quê? Para não serem
importunados por nada nem ninguém.
Mas… !?