Translate

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O ciganito - 26


O ciganito andava no supermercado saltitando de um lado para o outro enquanto a avó cigana, não fazia outra coisa senão repreendê-lo e chamá-lo à atenção por tudo o que fazia. 

 

O garoto devia ter uns quatro anitos e não obedecia em nada à avó, que já estava exausta e só se ouvia “nã faças isso(?), na faças aquilo(?), já te disse para na tirares más coisas(?), nunca más vens comigo(?), tu nã serás maluco?” E tudo isto naquela peculiar pronúncia cigana em que parece que estão sempre a perguntar, porque a acentuação recai na parte final da frase e seja lá o que for que estiverem a dizer é sempre igual, tornando-se uma cantilena monótona e cansativa.

 

Por lá andei entretida com as minhas compras, esbarrando com o ciganito que continuava a fugir e a judiar da avó que, por sua vez não tinha mão nele e não conseguia controlá-lo de maneira nenhuma. Pulava por todo o lado, metia-se à frente das pessoas e não parava de tirar o que lhe apetecia, achando-se o dono de tudo o que estava à sua volta.

 

Feitas as compras, dirigi-me às caixas, tentando perceber qual delas tinha menos gente e depois de me decidir, lá fiquei numa delas aguardando a minha vez na fila. Passado uns minutos, já eu me tinha esquecido do ciganito e sua avó, lá vêm eles para a caixa ao lado da minha. O garoto que, nunca deixou de estar irrequieto, continuava a estoirar a paciência da avó: “Na mexas nisso(?) Na tires más nada(?) Anda cá ao pé de mim(?) Na tás ouvindo?

 

Mas o puto não queria mesmo saber daquela conversa e continuava a fazer o que lhe dava na gana, o que fez durante todo o tempo que esteve no supermercado. Tirava um sumo, abria, começava a beber e largava em qualquer sítio, para pegar noutro ou noutra coisa qualquer. Chocolates e mais chocolates, bolachas, era tudo dele. Eu até estava arrepiada, porque pensei que nada daquilo iria parar à caixa, mas aí estava enganada. Surpreendentemente, a avó cigana teve o cuidado de ir atrás do garoto e juntar tudo o que ele tirava. E ainda assim, pensei que era para deitar no lixo, mas não, foi mesmo para passar na caixa. Nem sempre somos justos nos nossos pensamentos.

 

Já no final das compras, ainda chamou o neto para trazer os papéis de uns chocolatinhos que o garoto continuava a tirar dos expositores junto às caixas e naquela lenga-lenga cigana o chamou várias vezes sem que ele respondesse à sua chamada, até porque quanto mais ela o chamava, mais ele fugia e quanto mais o repreendia, mais asneiras fazia.

 

Mas, a certa altura, quando já tudo estava quase passado na caixa e como já não tinha como fugir - foi aí que dei por bem empregado o tempo que gastei naquela ida ao supermercado porque, por dentro, eu ria como há muito não me acontecia - e perante a máxima consternação de toda a assistência, incluindo eu, claro, debaixo dos olhares que se cruzaram enquanto baixavam, em sinal de insulto, insolência e tudo o mais que se possa imaginar, o garoto de quatro anitos, vem direito à avó, mas sem chegar perto, apenas inclinando-se na sua direcção, a mãozita esticada e o dedo indicador apontado para ela, grita “vai pá tua cona”… vai pá a tua c… vai pá tua c… , três vezes gritou alto e em bom som, sem deixar dúvidas para ninguém do que estava a dizer e de cada vez que o dizia até a alma doía.

 

A indignação estava no ar, assumida com todos os seus direitos, deveres e até obrigações, por toda a gente ali presente, testemunhando ao vivo e a cores as palavras obscenas e horrendas, vindas daquela criança de tão tenra idade. Uma coisa inadmissível, nunca “ouvista” até então. Doeu tanto, que parecia que todos se tinham encolhido um pouco, desejando sair daquela cena no mais breve espaço de tempo possível. E eu também(!)…

 

Só a avó cigana ficou perfeitamente indiferente, pelo menos por fora. Não se aborreceu, não se incomodou, não deu alarme de espécie alguma, como se nada tivesse acontecido, no que provavelmente, estaria certa. Aquela linguagem para ela devia ser a usual. Portanto, porque haveria de espantar-se? Os incomodados que se mudassem…

 

E parecia que tudo voltava ao normal, quando a avó cigana voltou a chamar o neto, André, mais uma, duas, três vezes e o neto, uma vez mais se aproximou dela, desta vez para lhe dizer novamente, alto e bom som, “cagona”, repetindo-o as vezes que lhe apeteceu e rematando com a língua de fora. E mais uma vez todos os olhares indignados se viraram e reviraram enquanto eu já estava na fase do hilário e completamente desligada da indignação, tendo resolvido encarar aquele episódio numa desportiva, até porque a senhora cigana também, uma vez mais, não ligou a mínima importância ao assunto.

 

Finalmente, já com tudo pago e o saco das compras na mão, a senhora cigana vira-se para o neto, talvez tentando salvar a situação, dizendo-lhe: “diz adeus à menina(?)”, “diz adeus à menina(?)”, uma jovem dos seus dezoito anos, toda bonitinha, muito bem arranjada e maquillada, com um ar todo certinho, que começava já a passar as compras do cliente seguinte. A miúda olha para o garoto e acena-lhe com a mão, enquanto a cigana continuava a dizer “diz adeus à menina, André(?)”...

 

Eu estava louca da vida para ver o desfecho daquela cegada, pensando, será desta que a cigana salva a situação? E lá foi o ciganito a correr novamente, para chegar ao pé da menina, com um sorriso todo bonitinho e simpática, a que o ciganito, fiel à sua linguagem e deixando a avó surpreendidíssima, como se fosse a primeira vez que o neto tivesse dito uma asneira, aos saltos e aos pulos, o garoto respondeu alto e bom som:

 

- Mijona(?)!... Mijona(?)!... Mijooona!