O ciganito andava no supermercado saltitando de um lado para o outro enquanto a avó cigana, não fazia outra coisa senão repreendê-lo e chamá-lo à atenção por tudo o que fazia.
O
garoto devia ter uns quatro anitos e não obedecia em nada à avó, que já estava
exausta e só se ouvia “nã faças isso(?), na faças aquilo(?), já te disse para
na tirares más coisas(?), nunca más vens comigo(?), tu nã serás maluco?” E tudo
isto naquela peculiar pronúncia cigana em que parece que estão sempre a perguntar,
porque a acentuação recai na parte final da frase e seja lá o que for que
estiverem a dizer é sempre igual, tornando-se uma cantilena monótona e
cansativa.
Por
lá andei entretida com as minhas compras, esbarrando com o ciganito que
continuava a fugir e a judiar da avó que, por sua vez não tinha mão nele e não
conseguia controlá-lo de maneira nenhuma. Pulava por todo o lado, metia-se à
frente das pessoas e não parava de tirar o que lhe apetecia, achando-se o dono
de tudo o que estava à sua volta.
Feitas
as compras, dirigi-me às caixas, tentando perceber qual delas tinha menos gente
e depois de me decidir, lá fiquei numa delas aguardando a minha vez na fila.
Passado uns minutos, já eu me tinha esquecido do ciganito e sua avó, lá vêm
eles para a caixa ao lado da minha. O garoto que, nunca deixou de estar
irrequieto, continuava a estoirar a paciência da avó: “Na mexas nisso(?) Na
tires más nada(?) Anda cá ao pé de mim(?) Na tás ouvindo?
Mas o
puto não queria mesmo saber daquela conversa e continuava a fazer o que lhe
dava na gana, o que fez durante todo o tempo que esteve no supermercado. Tirava
um sumo, abria, começava a beber e largava em qualquer sítio, para pegar noutro
ou noutra coisa qualquer. Chocolates e mais chocolates, bolachas, era tudo dele.
Eu até estava arrepiada, porque pensei que nada daquilo iria parar à caixa, mas
aí estava enganada. Surpreendentemente, a avó cigana teve o cuidado de ir atrás
do garoto e juntar tudo o que ele tirava. E ainda assim, pensei que era para
deitar no lixo, mas não, foi mesmo para passar na caixa. Nem sempre somos
justos nos nossos pensamentos.
Já no
final das compras, ainda chamou o neto para trazer os papéis de uns
chocolatinhos que o garoto continuava a tirar dos expositores junto às caixas e
naquela lenga-lenga cigana o chamou várias vezes sem que ele respondesse à sua
chamada, até porque quanto mais ela o chamava, mais ele fugia e quanto mais o
repreendia, mais asneiras fazia.
Mas,
a certa altura, quando já tudo estava quase passado na caixa e como já não
tinha como fugir - foi aí que dei por bem empregado o tempo que gastei naquela
ida ao supermercado porque, por dentro, eu ria como há muito não me acontecia -
e perante a máxima consternação de toda a assistência, incluindo eu, claro,
debaixo dos olhares que se cruzaram enquanto baixavam, em sinal de insulto,
insolência e tudo o mais que se possa imaginar, o garoto de quatro anitos, vem
direito à avó, mas sem chegar perto, apenas inclinando-se na sua direcção, a
mãozita esticada e o dedo indicador apontado para ela, grita “vai pá tua cona”… vai pá a tua c… vai pá tua c… ,
três vezes gritou alto e em bom som, sem deixar dúvidas para ninguém do que
estava a dizer e de cada vez que o dizia até a alma doía.
A
indignação estava no ar, assumida com todos os seus direitos, deveres e até
obrigações, por toda a gente ali presente, testemunhando ao vivo e a cores as
palavras obscenas e horrendas, vindas daquela criança de tão tenra idade. Uma
coisa inadmissível, nunca “ouvista” até então. Doeu tanto, que parecia
que todos se tinham encolhido um pouco, desejando sair daquela cena no mais
breve espaço de tempo possível. E eu também(!)…
Só a
avó cigana ficou perfeitamente indiferente, pelo menos por fora. Não se
aborreceu, não se incomodou, não deu alarme de espécie alguma, como se nada
tivesse acontecido, no que provavelmente, estaria certa. Aquela linguagem para
ela devia ser a usual. Portanto, porque haveria de espantar-se? Os incomodados
que se mudassem…
E
parecia que tudo voltava ao normal, quando a avó cigana voltou a chamar o neto,
André, mais uma, duas, três vezes e o neto, uma vez mais se aproximou dela,
desta vez para lhe dizer novamente, alto e bom som, “cagona”, repetindo-o as
vezes que lhe apeteceu e rematando com a língua de fora. E mais uma vez todos os
olhares indignados se viraram e reviraram enquanto eu já estava na fase do
hilário e completamente desligada da indignação, tendo resolvido encarar aquele
episódio numa desportiva, até porque a senhora cigana também, uma vez mais, não
ligou a mínima importância ao assunto.
Finalmente,
já com tudo pago e o saco das compras na mão, a senhora cigana vira-se para o
neto, talvez tentando salvar a situação, dizendo-lhe: “diz adeus à menina(?)”,
“diz adeus à menina(?)”, uma jovem dos seus dezoito anos, toda bonitinha, muito
bem arranjada e maquillada, com um ar todo certinho, que começava já a passar
as compras do cliente seguinte. A miúda olha para o garoto e acena-lhe com a
mão, enquanto a cigana continuava a dizer “diz adeus à menina, André(?)”...
Eu
estava louca da vida para ver o desfecho daquela cegada, pensando, será desta
que a cigana salva a situação? E lá foi o ciganito a correr novamente, para
chegar ao pé da menina, com um sorriso todo bonitinho e simpática, a que o
ciganito, fiel à sua linguagem e deixando a avó surpreendidíssima, como se
fosse a primeira vez que o neto tivesse dito uma asneira, aos saltos e aos
pulos, o garoto respondeu alto e bom som:
- Mijona(?)!... Mijona(?)!... Mijooona!