Há dias encontrei um colega de trabalho e os dois começámos a tagarelar
disto e daquilo, mais precisamente sobre a empresa, os colegas, alguns que já
partiram, outros que também se reformaram e por aí adiante. Muitas novidades,
outras nem tanto. Foi o caso.
De repente ele perguntou-me se me lembrava da Carla, uma colega do Serviço
de Manutenção. Claro sim, respondi, a Carla da Drecção Técnica. “Ah,
o filho dela é “gay”! E dizia isto com um ar de quem estava convencido de que
eu iria ficar chocada ou pelo menos, muito admirada.
Convém esclarecer que em relação a este assunto não tenho nada contra, mas
também não tenho nada a favor. Cada um é como cada qual. No caso em questão,
quando ele me disse isto, não fiquei nada surpreendida. Ao contrário do que ele
poderia pensar, para mim aquilo fazia todo o sentido. E porquê?
A Carla era uma mulher num sector que até então só tinha homens. Foi
portanto, a primeira mulher a trabalhar em electrónica na empresa.
Logo de seguida apareceu outra, mas essa outra era completamente diferente.
Ambas eram casadas e com filhos. A Carla só tinha um, que por sinal era um
rapaz. Lembro-me bem do garoto por lá, desde pequeno. Todos os funcionários,
uma vez por outra, tinham necessidade de levar os filhos por não terem
com quem ficar. E por tanto, assisti ao crescimento dele, como de muitas outras
crianças. Aparentemente era um miúdo perfeitamente normal. Um menino, apenas
isso.
Mas a Carla não era uma mulher na verdadeira acepção da palavra,
isto é, não era uma mulher comum. Ela era diferente. E não era pelo facto de
estar num sector de homens. A outra também estava nas mesmas condições e apesar
de não me lembrar de alguma vez a ter visto maquilhada ou vestida de maneira
mais sexy, nem por isso deixava de ser mulher, de ser feminina. Apenas era
uma mulher bastante simples. A Carla não. A Carla era diferente. Não tenho como
explicar de maneira lógica porque não era pelo facto, por exemplo, de usar o
cabelo curto. Durante muitos anos usei o cabelo bem curto e as minhas amigas
ficavam surpreendidas dizendo que quanto mais curto eu usava o cabelo mais
feminina ficava. Portanto, não era por aí. Também não era o facto de nunca a
ter visto de vestidos ou de saias. Usava sempre calças, mas quantas mulheres
bem femininas só usam calças por se acharem mais sexys? A Carla,
evidentemente, não se pintava, não se enfeitava,
era estrictamente básica. Mas a outra colega também. No entanto,
olhava-se para ambas e via-se a diferença. Uma era mulher sem margem para dúvidas,
já a Carla não. Ela parecia sempre mais homem que mulher. Aliás, ela nunca
parecia mulher. Até a voz dela, apesar de ser bastante suave e até meiga, não
estava colocada na posição certa.
Portanto, não era possível dizer que era por isto ou por aquilo, mas
qualquer pessoa olhava e no todo, via uma mulher diferente, apesar das
formas avantajadas, apesar de tudo. Isto é tanto verdade que na distribuição
dos trabalhos havia sempre o cuidado de, olhando a escala de quem estava de
serviço, dependendo do trabalho em questão ser ou não adequado a uma mulher e
se fosse o caso, e estivesse na vez da colega, a Leonor, o trabalho era
imediatamente encaminhado para outro colega, um homem. Na vez da Carla, ninguém
pensaria em dar o trabalho a outra pessoa. Ela bastava-se, não precisava de ser
poupada à tarefa, qualquer que fosse. Era casada com um indivíduo bastante mais
velho, bem parecido e tinha um colega também bastante mais velho que andava
sempre a tentar seduzi-la. E em relação a isso ficou sempre a minha dúvida, ou
ela não percebia ou fazia que não entendia. Ela era uma mulher mas,
insisto, não era uma mulher comum. O lado masculino nela era muito forte, muito
acentuado.
E assim, quando o colega com quem eu conversava me contou que o filho dela
era “gay”, usava até as unhas pintadas, etc… e havia gozação porque o
preconceito sempre há-de existir, não fiquei nem um pouco surpreendida. Fazia
todo o sentido. Aquilo era uma coisa genética e simplesmente tinha passado para
o garoto. Nada a fazer. Compreendi perfeitamente que não se pode ir contra a
própria natureza. As coisas são como são.
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