Sempre
que tomamos uma decisão, temos que pensar na responsabilidade que a mesma
acarreta. Uma tomada de decisão é um caminho que se abre ou que se fecha. Tudo
depende da boa ou má escolha. A consciência tem que estar mais ativa do que
normalmente e as coisas têm que ser bem pensadas. Os caminhos que se abrem
também se podem fechar. E há caminhos para ir e vir, mas há caminhos só de ida,
ou seja, que não têm volta.
Por
exemplo, lembro-me que na minha juventude tive muitos amigos e amigas que se
drogavam, alguns com mais frequência do que outros e alguns com drogas mais
leves e outros ainda com drogas mais pesadas. Mas todos eles gostavam disso.
Sim, porque na verdade, nunca conheci ninguém que se drogasse sem não gostar de
o fazer. E se o faziam e gostavam é porque era bom. Esse é que é o problema.
Estranho, não?!
Tal
como o tabaco, eu era ainda adolescente quando as minhas colegas começaram a
fumar. Em casa, a minha própria tia me deu um dia um maço de tabaco LM, porque
não queria que eu fumasse às escondidas, o que não deixa de ter a sua piada.
Que me lembre, peguei duas vezes em cigarros, por insistência das minhas
colegas de liceu. E tanto da primeira vez como da segunda, percebi que não
gostava. Aquilo era horrível. Sabia mal, tinha um cheiro que me incomodava… no
que elas até concordavam comigo. Mas aquilo não era exatamente para gostar. Era
preciso fumar para agradar, ter estilo e para os rapazes repararem e as acharem
muito moderninhas, etc. Havia uma soma de razões interminável para o fazer, mas
nenhuma para não o fazer.
Contudo,
ao segundo cigarro, a minha decisão estava tomada. Não iria obrigar-me a fazer
uma coisa da qual não gostava e até era um frete desgraçado. Porque o faria? E
nessa altura, há quarenta e muitos anos, ainda nem se falava no mal que o
tabaco fazia, nem sequer se pensava em campanhas antitabagistas. Enfim, tudo se
podia fazer. Tabaco e droga estava na moda. Por acaso acho que são coisas que
estão sempre na moda, infelizmente. Face ao resultado da minha negação ao
tabaco, achei por bem devolver o maço de LM à minha tia que, em vez de ficar
satisfeita e aliviada, pelo contrário, se mostrou um pouco contrariada, dizendo
que apenas não queria que eu fumasse às escondidas. Se eu quisesse mesmo fumar,
de certeza que não lhe iria devolver o tabaco, portanto, nada fazia sentido.
Voltando
às drogas, de facto muitos dos meus amigos consumiam e alguns puseram termo às
suas vidas por terem ingerido over doses. Se aquilo era bom ou não eu
nunca o saberia, porque era daquelas coisas que também ninguém me faria ingerir.
Por mais que fosse aliciada para o fazer, não tinha a menor vontade de
experimentar. Experimentar era um caminho que se abria e que podia não ter
volta. E esse caminho eu não estava interessada em fazer. Para mim não.
Quando
em criança vivi na Guiné-Bissau, por o meu pai ser militar, eu era uma
aventureira nata. Todavia, as minhas aventuras eram devidamente calculadas,
para não saírem furadas. E entre as muitas aventuras em que me metia, uma delas
era muito especial. Não posso dizer que a mais perigosa, porque outras havia,
mas era bastante arrojada. Em determinadas noites do mês, penso que tinha que
ver com a lua, ouvia o batuque dos indígenas, que depois mais tarde percebi que
eram os feiticeiros nos seus habituais rituais. A questão é que o meu quarto,
onde eu dormia com a minha irmã de dois anos, dava para as traseiras, que era o
mato. E por causa do calor, as janelas estavam permanentemente abertas,
protegidas por grades de rede por causa dos mosquitos. E eu não conseguia
dormir por causa do batuque que ouvia no mato. Achava aquilo estranho, mas
demasiado fascinante para ficar na cama a ouvir, sem ver de perto o que lá não
sei onde se passava. E não querendo perder a festa, tirava a rede e com uma
cadeira junto à janela, saltava para a rua. Uma vez do lado de fora, voltava a
encostar a rede e depois de me certificar de que lado vinha tudo aquilo, tomava
o rumo do som.
Só
uma coisa me assustava verdadeiramente: as cobras. Por isso, apenas em cuecas por
causa do calor, pé ante pé para fugir à picada das cobras – achava eu -, a
minha atenção era dirigida para onde o som me levava, sendo que tinha plena
consciência de que não podia perder a noção da orientação que tomava para não
correr o risco de não conseguir voltar para casa. Isso é que não podia
acontecer de maneira nenhuma.
E de
todas as vezes que me embrenhava mato adentro, para esta louca aventura, que
não foram tão poucas as vezes, sabia perfeitamente que, não sabendo para onde
ia, não podia perder a noção do caminho que me levaria de volta para casa.
Sempre atenta ao ritmo que chamava por mim, mas sempre olhando para trás, para
perceber a direção do caminho de volta, conseguia chegar, ficar o tempo que me
apetecia, contra toda a estranheza dos feiticeiros que parecia que ficavam
assustados com a minha presença, em que às vezes ficava de pé, outras vezes
sentada no chão, de pernas cruzadas, admirando todo aquele insólito espetáculo
com os seus próprios instrumentos e as suas vestes muito peculiares e diferente
de tudo o que eu já tinha visto.
Quando
já estava cansada ou o sono começava a chegar, da mesma maneira discreta e
silenciosa com que tinha chegado, abalava, rumo ao caminho de volta, com toda a
atenção, para uma vez mais não me perder. Portanto, bem cedo aprendi que os
caminhos vão e vêm e se nos perdermos neles corremos o risco de não mais
voltar.
Por
isso, quando na minha adolescência os meus amigos se drogavam e me queriam
introduzir nesse caminho eu sempre pensava que em vez de me quererem levar para
lá, eles deveriam era querer voltar, para deixar de vez aquele caminho, que
quanto a mim, não interessava. Mas eles não pensavam assim. Eles só queriam ir,
ir, ir… aumentando cada vez mais a distância entre o ponto de partida e a
chegada de um destino completamente desconhecido e sem rumo, com grandes
probabilidades de não ter mais volta.