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quarta-feira, 14 de junho de 2023

O "baptismo" de Sofia - 77

 

Sofia nasceu a 27 de Junho de 2011, o que fez com que 2011 tivesse sido um dos anos mais felizes e importantes da minha vida. E nasceu em Cambridge, porque o pai estava a trabalhar na Microsoft. É claro que isso fez com que os avós tivessem que se deslocar a Inglaterra, para verem de perto aquela miniatura de gente, pela primeira vez, o que não era pouca coisa. Era uma alegria e uma felicidade imensa. Por questões familiares, fui a última da lista e quando lá cheguei, Sofia estava com quinze dias de vida. Era mesmo uma coisinha pequenininha, tão pequenina, que eu não me lembrava mais, de como eram pequeninos os bebés quando nascem.

Quando cheguei perto dela, estava ao colinho da sua linda mommy, pois tinha acabado de mamar. Era uma grande felicidade, ver a minha pequenina pela primeira vez, ao vivo e a cores, sem ser através das câmaras. Era mesmo uma niquinha de gente. E eu pensava, meu deus, como vai esta coisinha vingar, crescer e ser gente!? Bem, gente já ela era, mesmo dentro da barriguinha da mãe, mas uma coisinha tão fofa e tão minúscula! Era uma emoção muito, muito grande.

Mas é assim que todos nascemos e vimos a este mundo!? Pequenos demais e completamente indefesos, esperando que cuidem de nós com todo o amor possível e com todos os cuidados necessários, para podermos enfrentar este mundo maléfico e medonho, onde há tanta ruindade, nomeadamente com as crianças, as nossas crianças, lindas e adoradas e às vezes tão maltratadas por esse mundo fora.

Aí, a minha tarefa começou: cuidar de tudo aos mínimos detalhes, para os pais se sentirem confortáveis e poderem ter um pouco de descanso. Porque não? Se pudermos fazer a diferença, porque não!? Apesar de já adultos e com um filho, são sempre as nossas crianças. Assim, a minha rotina estava traçada sendo que, de manhã à noite, havia sempre o que fazer. O pai ia para o trabalho e a mãe, que tinha ido de propósito para Inglaterra, para que a sua menina nascesse com o pai presente, ficava em casa cuidando dela.

Todos os dias eu fazia uma pequena limpeza à casa, interior e exterior, a fim de a manter sempre limpa. Todos os dias eu cozinhava, cuidava da roupa e saíamos para ir às compras. Compras no supermercado ou compras para a pequenina, com alguma coisa que sempre faltava e nos fazia ir, entre outras lojas, à Mothercare, onde havia de tudo para miniaturas de gente.

O bairro onde eles viviam era muito agradável. Os prédios eram todos individuais, em vez de colados uns nos outros. Todo o espaço em volta era cuidadosamente ajardinado e fiel ao estilo rústico, tão característico dos ingleses e de que eu tanto gosto. A varanda era enorme, onde havia uma mesa com cadeiras e ainda espreguiçadeiras para relaxar. Todos os dias de manhã passava um camião da Câmara, com grandes mangueiras, para limpar as varandas. Depois, era esperar que secassem e podermos fazer uso daquele tão aprazível espaço.

Estar naqueles apartamentos era como estar integrado na natureza, com todas as comodidades mínimas à nossa disposição. Tudo o que fazíamos era rodeado de ar puro, luz e beleza natural. Não havia cortinados. Todos os moradores tinham sempre tudo aberto, inclusive nos quartos. Também não havia “mirones”, é claro. Cada um preocupava-se consigo e nada mais. Se as pessoas se deitavam para dormir ou descansar, era problema deles. Se estavam na cozinha, era lá com eles. Fosse o que fosse que estivessem a fazer, não incomodavam nem eram incomodados, com toda a certeza, o que era fantástico e que eu tanto admirava, porque é o meu jeito de viver.

Sofia passava grande parte do tempo, quieta, dormindo e acordando entre as mamadas, embalada no seu baloiço da Mothercare, sem dar trabalho. Mas ao fim da tarde, a pequenina chorava. A essa hora já o pai estava em casa e os dois punham-na no carrinho e levavam a sua bebé para passear no jardim. Ela acalmava um pouco, mas logo recomeçava o choro muito intenso, muito incomodada e muito irritada. Ninguém sabia o que fazer para a calar, porque parecia que não queria nada, mas o facto é que fazia a sua birra.

Ao terceiro dia da minha estadia, pensei para comigo mesma que aquilo não podia ser e tinha que haver uma maneira de ultrapassar aquela cena da criança chorar tanto, sempre à mesma hora. E então, enquanto a mãe trocava a sua fraldinha, percebi que ainda não lhe davam banho. Lavavam-na apenas como se fosse uma recém-nascida. Mas porquê, se estava tudo bem com ela, se o umbigo estava óptimo, não havendo motivo para descartar uma boa banhoca!? Falei com a minha nora e disse-lhe que estava na hora da menina tomar banho de banheira, o que lhe faria muito bem e na certa a acalmaria, porque todos os bebés adoram a água. Ela ficou a olhar para mim, pensando e sem saber muito bem o que dizer.

Pensei… é isso, está mais do que na hora. E na presença da mãe e do pai, comecei a comandar as coisas para lhe dar banho, o que ao mesmo tempo serviria de aprendizagem para os dois. E foi bem interessante ver a ansiedade de ambos, querendo ver como segurar a menina, para não se afundar na água, como tê-la toda por inteiro e completamente segura apenas numa mão, para ter a outra livre e passar o sabonete, etc…

Por esta altura eu tinha os dois, pai e mãe, um de cada lado. A pequena banheira começou a encher e expliquei-lhes como saber se a temperatura da água estaria bem. No dia seguinte, compraríamos um medidor da temperatura da água, para ser mais fácil. Os dois estavam excitados e ao mesmo tempo maravilhados, pois era uma novidade que entrava na rotina de ambos: a hora do banho da sua bebé. A banheira ficou com o nível de água suficiente e a uma temperatura considerada ideal. Sofia continuava a chorar ou a berrar, enquanto a roupinha ia sendo tirada, e já o pai dizia que, no dia seguinte, seria ele a dar-lhe banho, enquanto eu esboçava um sorriso de felicidade.

Finalmente, toda nuazinha, segurei nela apoiada no meu braço direito, com o esquerdo a ajudar, fazendo-a entrar aos poucos, aos pouquinhos, muito lentamente. Assim que sentiu os pezinhos dentro da água quentinha, o choro dela, que por esta altura era ainda mais forte, talvez pelo facto de estar despida, embora a casa tivesse aquecimento, o seu corpinho deu sinal de algo diferente. Diferente, mas agradável. Continuei a mergulhá-la devagarinho, com os dois muito ansiosos, um de cada lado, e Sofia começou a acalmar. À medida que entrava na água e reconhecia o conforto de um banho quente, o seu ar de satisfação era notório. O seu rosto adquiria um sorriso esvaído, mas muito sentido, como quem diz: “mas o que é que me está a acontecer?” Na verdade, era a primeira vez que entrava na água para um banhinho. E aquela sensação não lhe passou despercebida, claro está. A sua sensibilidade estava a registar todo o bem-estar que aquilo produzia no seu minúsculo ser. Era como se nos dissesse: “é bom, é muito bom, podem continuar…”

Uma coisa indescritível. Os pais, não menos deliciados do que ela. E eu sentia a leveza de toda aquela situação, agradecendo à vida por me ter levado até lá, permitindo-me ser a primeira a “baptizar” a minha pequena Sofia que, agora, já completamente mergulhada na água, apenas com a cabecinha de fora, se deliciava, com toda a água à sua volta. O choro já tinha desaparecido. O seu rostinho de fúria e desagrado, dava agora lugar a um sorrisinho tão agradável e gostoso, que dava gosto ver. Sofia estava deliciada com a sua banhoca e respirava fundo, descontraída e relaxada. Sentia-se a felicidade dela em todo o seu ser, por todo o lado. Estávamos impregnados daquela energia que nos iluminava a todos, trazendo-nos imensa paz, amor e alegria. Sofia saboreava com prazer e deliciada, a sua nova experiência nesta vida: o seu primeiro banho.


sábado, 11 de março de 2023

O telemóvel - 76

 

A Lúcia e eu decidimos ir almoçar fora. Não tinha nada a ver com o que quer que fosse que o refeitório da RTP tivesse para aquele dia. Apenas, uma vez por outra, apetecia-nos espairecer na hora do almoço.

Decorriam as olimpíadas e todas as televisões dentro da empresa, num canal ou noutro, não falavam em outra coisa. E lá fomos nós em busca de um lugar diferente.

Saímos das instalações da Avenida 5 de Outubro e fomos até ao Chimarrão que nessa altura havia no Campo Pequeno, mesmo ao lado da Praça de Touros. Era um espaço gigante, onde acorria sempre muita gente que trabalhava ali naquelas redondezas e provavelmente outras pessoas vindas de outros lados. Para nós, estava óptimo. Eram meia dúzia de passos e lá estávamos nós.

Como era um espaço bem amplo, normalmente havia sempre lugar. E além de ser chimarrão, havia alternativas à ementa. Portanto, estava bem para qualquer um. A Lúcia sempre foi uma óptima companhia, porque estava sempre bem disposta. Tudo para ela era motivo de gargalhada e gozação. A descontração morava dentro dela, o que eu invejava grandemente, no bom sentido. Para ela nunca havia drama. Drama não ligava com a personalidade dela, de jeito nenhum. Nunca conheci ninguém assim.

Chegadas ao Chimarrão, procurámos uma mesa vaga e sentámo-nos. Na parede de fundo, lá estava um écran gigantesco e, como não podia deixar de ser, a transmitir os Jogos Olímpicos. Mas enfim, dado que estávamos fora do nosso local habitual, não nos afectava muito.

Logo de seguida chegaram dois indivíduos, que se sentaram numa mesa bem pertinho, logo a seguir à nossa. Lembro-me de que os dois chegaram, tiraram os respectivos casacos, ou sobretudos, puxaram das cadeiras e tomaram lugar à mesa. E é então que, sem querer, ouço um deles dizendo ao outro que o tinha chamado para irem ali almoçar, porque os dois tinham um assunto de trabalho para conversar e ele achava que seria mais proveitoso fora do local de trabalho, a fim de não serem interrompidos nem importunados com outros assuntos, etc, etc, etc, ao que o outro logo concordou, dizendo que estava plenamente de acordo e que tinha sido uma excelente ideia.

Ouvindo esta conversa, ainda que sem querer, pensei para comigo mesmo, que iam tratar de trabalho, o que não era o nosso caso. A Lúcia e eu íamos simplesmente espairecer. Talvez dizer disparates e falar de tudo menos de trabalho. Para isso não teríamos ido ali. Eu não queria de todo estar a ouvir a conversa dos dois, nem de ninguém. Mas eles estavam tão perto de nós, que era impossível não ouvir. Mesmo estando nós duas a falar uma com a outra, mesmo assim, ouvia-se, mesmo não querendo.

Dito isto, e enquanto tinham a ementa já nas mãos, eis que toca o telemóvel de um deles, que logo atende, dando início à conversação. Chegou o empregado, que o fez interromper a conversa ao telefone por uns instantes, mas logo recomeçou. O empregado retirou-se com ele ainda ao telemóvel e antes mesmo que a conversa terminasse, tocou o telemóvel do outro, que logo atendeu. Entretanto, o primeiro terminou, ficando em silêncio, pois o segundo estava agora a falar ao telemóvel.

A Lúcia e eu já tínhamos sido servidas e limitávamo-nos a saborear o nosso rico almoço, bem diferente do refeitório. E enquanto comíamos íamos conversando e parando, conversando e parando. Dizendo as nossas larachas e rindo das parvoeiras que íamos relembrando.

Entretanto os nossos amigos, parceiros de negócio, também já tinham iniciado o seu almoço. A diferença entre eles e nós, é que enquanto nós comíamos e conversávamos uma com a outra, eles comiam e falavam ao telemóvel. Acabava um, começava o outro. E às tantas eram os dois ao mesmo tempo. Que gente tão solicitada, pensava eu. Nem o almoço lhes dava o merecido prazer, porque ainda por cima as conversas eram longas. Longas a falar, longas a ouvir do lado de lá. E sempre que um começava a falar com o outro, por ausência de telefonemas, era certo que a conversa não ia para além de duas ou três palavras, pois eram logo interrompidos pelos telemóveis.

E nós na boa, descontraídas, carregando as baterias para mais uma tarde de trabalho e de olimpíadas, também, mas depois de uma boa e saborosa refeição.

Curiosamente o nosso almoço terminou mais ou menos ao mesmo tempo que o deles, pois quando chamámos o empregado para pagar, eles aproveitaram e fizeram o mesmo. E tal como nós, pediram a conta, pagaram, levantaram-se, voltaram a enfiar os casacos e guardaram os telemóveis nos respectivos bolsos.

Os dois tinham ido para uma conversa especial, segundo palavras deles, com uma certa importância. Tão importante que convinha ser fora do local de trabalho. Para quê? Para não serem importunados por nada nem ninguém.

Mas… !?