Como é bom fazer um cruzeiro pelo
mediterrâneo fora, com tudo de bom à nossa disposição! Boa comida, boa
companhia, bons programas para distrair a tripulação, além de outras coisas
maravilhosas que uma viagem destas nos proporciona. Mar azul, céu azul! É muito
bom.
E enquanto o barco anda durante a
noite em que podemos dormir um sono tranquilo, relaxado, acordar num novo
porto, um lugar diferente para visitar, oh vida boa!...
Foi há cerca de quarenta anos que
embarquei no primeiro cruzeiro, integrada num grupo de funcionários da RTP. Por
essa altura o meu casamento já estava bastante mal e decidi que seria bom para
ambos fazer um cruzeiro, no que o meu marido concordou.
Não queríamos gastar muito
dinheiro, por isso ficámos num camarote de três, com uma colega açoriana, que
tinha trabalhado connosco na Delegação dos Açores, e que veio para Lisboa um
pouco depois de nós. Ela era muito nossa amiga e tínhamos bastante intimidade,
por isso, era a pessoa certa para ficar connosco. Era solteira, não queria
pagar um camarote individual porque era muito caro também para ela e pronto,
tudo se ajustou. Ela fazia a vida dela e nós a nossa, sendo que cada um dos
três tinha o seu beliche. Foi óptimo.
Era um grande grupo da RTP,
praticamente todos conhecidos, mais intimidade com uns do que com outros,
enfim, eram férias e as condições eram propícias para nos conhecermos todos
melhor, o que é sempre muito proveitoso.
A Conceição era uma pessoa
engraçada, sempre bem-disposta e sempre pronta a rir por tudo e por nada. Era
muito castiça, porque tinha aquela bela pronúncia açoriana da ilha Terceira,
que é diferente de S. Miguel. Pronuncia que ela, apesar de fora da ilha há
alguns anos, ainda não tinha perdido.
Com o divórcio em perspectiva, eu
andava com os nervos muito desequilibrados e com ansiolíticos para atenuar a
ansiedade. Um dia depois do almoço fui para o camarote para me deitar um pouco
e descansar. Havia uma janela que ficava mesmo a meio do meio beliche e quando
estava deitada, era como se estivesse submersa num aquário gigante, porque os
camarotes ficavam abaixo do nível da água. E eu olhava pela janela redonda e
via a água e tudo o que ela continha. Era relaxante e ajudava-me a adormecer
tranquilamente.
A certa altura, quando eu já estava
a entrar no sono, mas um sono leve, apercebi-me de que a São tinha entrado e
andava por lá. Lembrava-me ou tinha a sensação de a ter ouvido dizer, talvez
falando consigo mesma ou pensando que eu a estava a ouvir, que ia ao
cabeleireiro, já tinha feito a marcação e queria muito arranjar o cabelo para
estar bonita e bem arranjada para a noite, porque era uma noite especial
qualquer. Coisas próprias dos cruzeiros e que alguns levam muito a sério. Sei
que pouco depois, fiquei novamente sozinha e entrei no sono, um sono ainda
leve, mas um pouco mais profundo.
Devo ter dormitado algum tempo e
depois de ver as horas apeteceu-me levantar e ir até lá fora, ver o que se estaria
a passar. Mas pouco tempo depois, antes de ter tempo de sair, entrou o meu
marido, que se sentou na borda do meu beliche, dizendo-me para não sair do
camarote e nem tão pouco me aproximar da zona da piscina, porque estava cheia
de colegas da RTP e cada pessoa que aparecia, era tomada de assalto e atirada
para dentro da piscina, sem mais nem menos.
Olhei espantada para ele, porque
não queria acreditar. Mas ele não continuou falando e relatando o nome de
colegas que já tinham caído na emboscada. Achei aquilo uma chatice e
agradeci-lhe o aviso, porque não me agradava nada ser atirada à força para
dentro de água. Ele voltou a sair e eu fiquei sozinha. Num impulso, decidi
vestir-me e sair também, para indagar por mim mesma.
Assim pensei, assim fiz. Abro a
porta do camarote e saio. Dou três ou quatro passos, dobro uma esquina e passa
por mim a correr, completamente enlouquecida, a Drª Rosa, desvairada de todo,
olhando para trás, nitidamente a fugir de alguém. Percebi imediatamente que
estava na mira dos que a queriam atirar para a piscina, por isso ela fugia como
o diabo da cruz.
Bom, depois desta cena, decidi
voltar imediatamente para o camarote, pois já tinha sido avisada pelo meu
marido e aquela cena que tinha acabado de ver, estava mais do que explicada,
era mais do que evidente. Nem conseguia imaginar o turbilhão que ia na piscina
e à volta dela.
Regressei ao camarote e voltei a
deitar-me, para dar mais tempo a que tudo aquilo acalmasse. Não me agradava
mesmo nada ser atirada para a piscina. Deitei-me e continuei e fixar-me na
minha janela redonda de claraboia, que tanto me encantava. E neste dolce far
niente, sem me aperceber, voltei a adormecer outra vez.
Entretanto, a São entra novamente
e acordo lentamente, com ela sentada à frente do toucador, olhando-se no
espelho e resmungando entre dentes. Mas o resmungar era estranho porque, ora
resmungava ora ria. Pensei que estava a sonhar, por isso abri os olhos. Ao
abrir os olhos vejo-a realmente sentada em frente do espelho e percebi que não
estava a sonhar.
Contudo, alguma coisa não batia
muito certo na minha cabeça. Aquilo que eu via era a São toda encharcada dos
pés à cabeça e com uma toalha enxugando os cabelos. Mas eu ia jurar que a tinha
ouvido dizer que ia ao cabeleireiro. Afinal tinha estado a lavar a cabeça!? Que
confusão. E concluí que era tudo um sonho maluco dos meus. Voltei a fechar os
olhos para me distanciar das minhas “doideiras”.
Mas ela continuava a barafustar,
ora rindo, ora chateada não sei com quê, porque barafustava sozinha, para cair
novamente na risada e tudo isto completamente sozinha, porque não havia mais
ninguém no camarote. E eu não conseguia deixar de pensar que podia jurar que a
tinha ouvido dizer que ia ao cabeleireiro! Mas afinal estava ali com o cabelo
todo numa sopa!? A minha cabeça não estava mesmo boa. Tudo isto por conta do
sonho, com certeza. Mas afinal ela ia ou não ao cabeleireiro?
Decidi levantar-me para ir espreitar o meu marido e o que ele e os outros andavam a fazer. Sento-me no beliche e olho para a São, através do espelho. Ela vira-se de frente para mim e pergunto imediatamente: “mas então, achei que tinhas ido ao cabeleireiro!?”. Resposta dela, ao mesmo tempo que desatava a rir e a choramingar: “e fui…”. "E foste?”, voltei a perguntar. Sim, disse ela, mas quando saí, queria-me sentar a apanhar sol à beira da piscina e eles meteram-me à força dentro de água, depois de ter gasto um dinheirão no cabeleireiro!? ...
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