De todos os lugares da terra que
já visitei, e não foram assim tão poucos, há três cidades que me deslumbraram
completamente. Em terceiro lugar, Istambul, capital da Turquia; em segundo, Rio
de Janeiro, Brasil e em primeiro, Nova Iorque.
Sei que para a grande maioria das
pessoas Paris é isto, é aquilo, mas, muito sinceramente, não me diz nada. É só
mais uma, igual a tantas outras. Para mim passou totalmente despercebida. O que
é Paris comparando com Roma, por exemplo. Roma é um fascínio! Roma está cheia
de mistério, cheia de mensagens codificadas aqui e ali, ao virar da esquina, em
todos os monumentos e em todas as ruas a história fala a olhos vistos e os
segredos descobrem-se como se tudo tivesse uma voz própria, que cada um pode
ouvir e que para cada um é diferente.
É mística, é doida, calorosa, é o
máximo. Ali, o passado tem uma força esmagadora. É impossível descartar. Mas no
meio deste tumultuado caminho de emoções há uma dor profunda. Roma é Itália! É
vida e morte, tudo ao mesmo tempo e às vezes eu ficava com a sensação de que
estava lá e não cá. O passado que eu não vivi entrava no meu presente, quase
que baralhando a minha cabeça e o meu espírito.
E como Itália, outros países do
mundo me fascinaram, por este ou aquele motivo. Em todos os lugares há uma
energia muito própria, muito surreal, que é preciso viver para sentir. Não
podemos viajar com a mente fechada. Temos que abrir as portas do nosso eu para
passar à experiência, naquilo que vemos, sentimos, absorver a comunicação com
os demais, o que eles nos passam, os seus ditames, o que os cobre, a maneira
como se vestem, deliciarmo-nos com o que nos dão a comer, certamente diferente
dos nossos hábitos, mas para tudo precisamos de abrir fronteiras, ou arriscamo-nos
a ficar fora de tudo, da essência vida.
Com efeito, alguma coisa muito
especial chamou a minha atenção para estas três cidades que já mencionei,
fazendo com que a minha pontuação caísse sobre elas e não noutras. A terceira,
Istambul, é uma cidade maravilhosa, cheia de história, com tanta coisa para
visitar, como tantas outras cidades ou lugares, é certo, mas, mais do que tudo,
no meio daquela barafunda toda, uma cidade muçulmana onde as mulheres e os
homens se vestem quase todos de maneira muito própria e para além daquela
divisão entre Europa e Ásia, uma coisa me deixou completamente extasiada, o
chamamento à mesquita ou à oração, aquela lengalenga que eu não sabia sequer o
que diziam, mas que entoada do jeito deles, fica entre a música e o choro, é um
som delicioso, que convida de facto ao silêncio e nos faz recolher ao nosso
interior elevando o espírito para outras dimensões.
Aquela música chorada é linda,
linda, uma coisa do outro mundo, sempre às mesmas horas, parece que o mundo
inteiro pára para ouvir aquilo, deixando-nos extasiados e na mesma e única
sintonia, que ultrapassa os limites humanos. É realmente de uma beleza
impressionante. E não é que não tenha ouvido o mesmo, por exemplo, no
Bangladesh, mas nem por sombras se assemelha à Turquia. No Bangladesh é um
ruído assustador, uma coisa medonha que apetece fugir. Na Turquia é a coisa
mais maravilhosa que já ouvi. Lindo! Lindo!...
Depois, em segundo, O Rio de
Janeiro. O Rio é o lugar onde eu viveria por puro prazer. Ali encontrei tudo aquilo
que tive em criança e perdi. Ali encontrei o meu sol, o meu calor tropical,
gente de todas as cores, onde cada um veste o que quer e lhe apetece, onde a
fruta salta aos nossos olhos, é o Brasil. Mas o Rio de Janeiro é especial. Eu
nem sei o que salientar, porque tudo ali é bom. É uma pena ser tão mal
aproveitado e não vou falar disso porque não vem ao caso.
E em primeiro lugar, como já
referi, Nova Iorque, “a cidade que nunca dorme”. Com efeito. Nova Iorque é Nova
Iorque e uma sensação de liberdade incrível. Não consigo expressar por palavras
o que sinto por aquela cidade. É uma loucura atrás da outra.
Mas numa destas três cidades que
me marcaram de modo especial, há uma historinha engraçada que aconteceu no Rio
de Janeiro, precisamente em Copa Cabana.
Estávamos a passear, O Carlos e
eu, quando decidimos alugar uma motinha. Eram as mais pequenas de todas. Uma
graça! Só de olhar para elas já apetecia montar e fugir. Eram eléctricas e
óptimas para passearmos pelo Rio, que é grande que nunca mais acaba, como todo
o Brasil. E como andávamos muito a pé, aquilo seria uma grande ajuda e ao mesmo
tempo um enorme prazer. Por isso decidimos aproximarmo-nos dos lugares de
aluguer e sabermos como era.
Fomos caminhando, olhando, ao
mesmo tempo que apreciávamos toda aquela beleza à nossa volta, pela calçada ou
pela praia, até que decidimos ir a um rapaz que tinha várias motinhas das que
queríamos. O Carlos, que é entendido no assunto, começou a falar com o rapaz
que alugava as motos. Começou a fazer perguntas e enquanto eles falavam eu
reparei que o rapaz era bonito e tinha olhos verdes.
O Carlos olhou, viu esta, aquela,
a outra, falou, perguntou, ouvimos o que o rapaz dizia e ao mesmo tempo íamos
falando um com o outro. Vinha outra pessoa que também estava interessada, e outra,
olhávamos o mar, a praia, sob um sol radioso e lindo demais, as pessoas
aproveitando a vida, calculávamos o tempo de energia que a moto oferecia e
fazíamos cálculos para os nossos próximos passeio e o tempo ia passando, calma
e tranquilamente, com todo o prazer que tudo aquilo nos proporcionava e que é
preciso agradecer à vida, ao universo que tudo rege e comanda.
E então o Carlos interrompe tudo
para me fazer a observação de que o rapaz se parecia muito com o Henrique, o
meu filho querido. É bonito, tem olhos verdes, é muito parecido com o teu
filho, dizia ele. Sim, respondi, enquanto acenava com a cabeça em sinal
afirmativo. Coincidência, podia ser irmão, primo… tinha graça. E, sem querer,
comecei a divagar. Ele tinha família completamente desconhecida no Brasil, isso
sim. O avô paterno tinha emigrado para o Brasil e formado outra família,
deixando a mulher e os filhos nos Açores, quando o pai dele, do meu filho,
tinha apenas dois anos. Motivos de desentendimento entre o casal o levaram a
isso. É a vida. E nunca mais ninguém soube dele. Mas isso era só eu a divagar,
claro. As coincidências da vida, que às vezes não passam mesmo de coincidência,
nada tendo a ver com a realidade.
Decidimos que ficaríamos ali
naquele posto com o “Henrique” e fizemos a marcação para o dia seguinte. Tudo
certo. Foi então que o Carlos, para ter a certeza de que encontrava o rapaz,
perguntou “o seu nome, por favor”. Resposta dele: “Henrique”.
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