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sexta-feira, 29 de abril de 2022

O caminho de volta - 72

 

Sempre que tomamos uma decisão, temos que pensar na responsabilidade que a mesma acarreta. Uma tomada de decisão é um caminho que se abre ou que se fecha. Tudo depende da boa ou má escolha. A consciência tem que estar mais ativa do que normalmente e as coisas têm que ser bem pensadas. Os caminhos que se abrem também se podem fechar. E há caminhos para ir e vir, mas há caminhos só de ida, ou seja, que não têm volta.

Por exemplo, lembro-me que na minha juventude tive muitos amigos e amigas que se drogavam, alguns com mais frequência do que outros e alguns com drogas mais leves e outros ainda com drogas mais pesadas. Mas todos eles gostavam disso. Sim, porque na verdade, nunca conheci ninguém que se drogasse sem não gostar de o fazer. E se o faziam e gostavam é porque era bom. Esse é que é o problema. Estranho, não?!

Tal como o tabaco, eu era ainda adolescente quando as minhas colegas começaram a fumar. Em casa, a minha própria tia me deu um dia um maço de tabaco LM, porque não queria que eu fumasse às escondidas, o que não deixa de ter a sua piada. Que me lembre, peguei duas vezes em cigarros, por insistência das minhas colegas de liceu. E tanto da primeira vez como da segunda, percebi que não gostava. Aquilo era horrível. Sabia mal, tinha um cheiro que me incomodava… no que elas até concordavam comigo. Mas aquilo não era exatamente para gostar. Era preciso fumar para agradar, ter estilo e para os rapazes repararem e as acharem muito moderninhas, etc. Havia uma soma de razões interminável para o fazer, mas nenhuma para não o fazer.

Contudo, ao segundo cigarro, a minha decisão estava tomada. Não iria obrigar-me a fazer uma coisa da qual não gostava e até era um frete desgraçado. Porque o faria? E nessa altura, há quarenta e muitos anos, ainda nem se falava no mal que o tabaco fazia, nem sequer se pensava em campanhas antitabagistas. Enfim, tudo se podia fazer. Tabaco e droga estava na moda. Por acaso acho que são coisas que estão sempre na moda, infelizmente. Face ao resultado da minha negação ao tabaco, achei por bem devolver o maço de LM à minha tia que, em vez de ficar satisfeita e aliviada, pelo contrário, se mostrou um pouco contrariada, dizendo que apenas não queria que eu fumasse às escondidas. Se eu quisesse mesmo fumar, de certeza que não lhe iria devolver o tabaco, portanto, nada fazia sentido.

Voltando às drogas, de facto muitos dos meus amigos consumiam e alguns puseram termo às suas vidas por terem ingerido over doses. Se aquilo era bom ou não eu nunca o saberia, porque era daquelas coisas que também ninguém me faria ingerir. Por mais que fosse aliciada para o fazer, não tinha a menor vontade de experimentar. Experimentar era um caminho que se abria e que podia não ter volta. E esse caminho eu não estava interessada em fazer. Para mim não.

Quando em criança vivi na Guiné-Bissau, por o meu pai ser militar, eu era uma aventureira nata. Todavia, as minhas aventuras eram devidamente calculadas, para não saírem furadas. E entre as muitas aventuras em que me metia, uma delas era muito especial. Não posso dizer que a mais perigosa, porque outras havia, mas era bastante arrojada. Em determinadas noites do mês, penso que tinha que ver com a lua, ouvia o batuque dos indígenas, que depois mais tarde percebi que eram os feiticeiros nos seus habituais rituais. A questão é que o meu quarto, onde eu dormia com a minha irmã de dois anos, dava para as traseiras, que era o mato. E por causa do calor, as janelas estavam permanentemente abertas, protegidas por grades de rede por causa dos mosquitos. E eu não conseguia dormir por causa do batuque que ouvia no mato. Achava aquilo estranho, mas demasiado fascinante para ficar na cama a ouvir, sem ver de perto o que lá não sei onde se passava. E não querendo perder a festa, tirava a rede e com uma cadeira junto à janela, saltava para a rua. Uma vez do lado de fora, voltava a encostar a rede e depois de me certificar de que lado vinha tudo aquilo, tomava o rumo do som.

Só uma coisa me assustava verdadeiramente: as cobras. Por isso, apenas em cuecas por causa do calor, pé ante pé para fugir à picada das cobras – achava eu -, a minha atenção era dirigida para onde o som me levava, sendo que tinha plena consciência de que não podia perder a noção da orientação que tomava para não correr o risco de não conseguir voltar para casa. Isso é que não podia acontecer de maneira nenhuma.

E de todas as vezes que me embrenhava mato adentro, para esta louca aventura, que não foram tão poucas as vezes, sabia perfeitamente que, não sabendo para onde ia, não podia perder a noção do caminho que me levaria de volta para casa. Sempre atenta ao ritmo que chamava por mim, mas sempre olhando para trás, para perceber a direção do caminho de volta, conseguia chegar, ficar o tempo que me apetecia, contra toda a estranheza dos feiticeiros que parecia que ficavam assustados com a minha presença, em que às vezes ficava de pé, outras vezes sentada no chão, de pernas cruzadas, admirando todo aquele insólito espetáculo com os seus próprios instrumentos e as suas vestes muito peculiares e diferente de tudo o que eu já tinha visto.

Quando já estava cansada ou o sono começava a chegar, da mesma maneira discreta e silenciosa com que tinha chegado, abalava, rumo ao caminho de volta, com toda a atenção, para uma vez mais não me perder. Portanto, bem cedo aprendi que os caminhos vão e vêm e se nos perdermos neles corremos o risco de não mais voltar.

Por isso, quando na minha adolescência os meus amigos se drogavam e me queriam introduzir nesse caminho eu sempre pensava que em vez de me quererem levar para lá, eles deveriam era querer voltar, para deixar de vez aquele caminho, que quanto a mim, não interessava. Mas eles não pensavam assim. Eles só queriam ir, ir, ir… aumentando cada vez mais a distância entre o ponto de partida e a chegada de um destino completamente desconhecido e sem rumo, com grandes probabilidades de não ter mais volta.


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